Há anos, especialmente nas quatro últimas campanhas presidenciais, o obstinado candidato Lula, em três derrotas sucessivas e na eleição com 53 milhões de votos em 2002, vem ampliando e consolidando a sua identificação com o povão, cultivando a imagem do maior líder sindical do país, que passou como tsunami pela articulação das greves dos metalúrgicos no ABC paulista, daí saltando para o plano nacional.
A marca forte e indelével de origem, contada e cantada em centenas de entrevistas, em depoimentos a dezenas de publicações – com destaque para as 200 páginas do desabafo emocionante, recolhido por Denise Paraná no livro de leitura indispensável “Lula, o filho do Brasil” –, levada ao cinema no documentário “Entreatos”, de João Moreira Salles, vacina o presidente, com proteção impermeável, contra os erros em penca, as trapalhadas em cachoeira, os fracassos seguidos do governo, e o imuniza contra as críticas, a cada dia mais severas e fundamentadas da oposição.
A análise na rotina do dia-a-dia, com a sonolenta repetição de insucessos, denúncias de irregularidades e o grito de alerta de escândalos, conduz à singela decifração do enigma.
Para começo da conversa, convém passar em revista as profundas alterações do quadro político, reformando hábitos e costumes, e o empurrão da mudança da capital para Brasília. De lá para cá, com 21 anos de ditadura militar de brutalidade, tortura, censura à imprensa e 15 anos de frustração com a democracia restaurada e a decadência moral do Congresso da farra das mordomias, vantagens e a madraçaria da semana de dois a três dias úteis, a população alargou a rachadura da discriminação social, empurrando a classe média de ladeira abaixo. Em desdém crescente, ela desligou-se da maçante mediocridade do noticiário político, que se desperdiça em páginas inteiras dos jornais e revistas com o blablablá repetitivo de meia dúzia de paparicados.
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Diferente e única a sua relação com o presidente Lula, moldada com a mesma massa cinza da pobreza extrema do menino nordestino, filho de dona Lindu, heróica mãe analfabeta, que levou os filhos para São Paulo num pau-de-arara. Ultrapassa todas as barreiras até chegar à Presidência da República, na coerência do discurso da denúncia das injustiças sociais, do desemprego, dos salários de fome, roídos pela inflação.
Acertos com o FMI, dívida externa e interna, juros na estratosfera, nada disso arranha a pele do trabalhador e do povo. Lula e o governo não se misturam no julgamento e na estima popular. Daí a contradição dos índices de avaliação de Lula e do governo.
O governo pode errar, embrulhar-se em confusões. Por enquanto, nada respingou no presidente que fala, viaja e não governa. Mas, é o xodó do povo, o primeiro e único saído das funduras da pobreza, o igual a todo mundo.
Se as coisas não virarem pelo avesso e a oposição não abrir o olho, a reeleição é mais do que uma probabilidade: é uma certeza.
(*) por
Villas-Boas Corrêa. A ler na íntegra
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