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AVENTURA NO CORAÇÃO DA AMAZÓNIA Porto Velho - Manaus (Brasil) (*)
Três semanas de viagem pela Amazónia profunda, motivados pela curiosidade de conhecer de perto a realidade de uma das mais fascinantes regiões do planeta, 500 anos depois da chegada dos primeiros europeus ao Brasil.
Primeiro objectivo: Alcançar o Forte Príncipe da Beira, a maior fortaleza construída pelos portugueses em Terras de Vera Cruz (1776) e, logo, nos confins da Amazónia, nas margens do rio Guaporé, assegurando uma linha de fronteira com a Bolívia que se manteve até aos dias de hoje. A divisória entre os dois países desce pelo "meio" do rio Guaporé ao longo de 962 quilómetros (mais do que o comprimento do "rectângulo" português), até à foz do rio Mamoré. Não existem quaisquer marcos e as ilhas existentes não foram ainda adjudicadas ao Brasil ou à Bolívia.
Esta zona da Amazónia é praticamente desabitada - apenas existem, do lado brasileiro, as localidades de Pimenteiras e Costa Marques -, o que a vocaciona para um ambicioso programa de protecção à reprodução de quelónios (tartaruga da Amazónia e tracajá) implementado pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente). As praias fluviais onde estas tartarugas depositam os seus ovos (cerca de 100), em ninhos escavados a cerca de um metro de profundidade, estão interditas ao homem. Todavia, poucos são os filhotes que escapam aos seus predadores naturais: piranhas, traíras, pirararas, jacarés e gaviões. No pequeno museu da delegação do IBAMA, em Costa Marques, repousa a pele de um jacaré-açu capturado no rio Guaporé, com 4,5 metros de comprimento e 291 kgs! Foram necessárias cinco balas, calibre 38, para abatê-lo.
Para chegar a Costa Marques (a escassos 25 quilómetros do Forte Príncipe da Beira), a expedição portuguesa recorreu a um táxi-aéreo, um bimotor Embraer Piper Seneca II, a partir da cidade de Porto Velho, capital do Estado da Rondónia. Este voo de uma hora e meia permitiu-nos avaliar a extensão de significativas áreas de deflorestação existentes na Rondónia, um dos estados brasileiros mais afectados por este flagelo.
Há muito que os seringueiros trocaram a exploração da borracha pelo abate de árvores, dispondo de serrações capazes de transformar em tábuas um tronco de bacuri em poucos minutos. A prática seguida nalgumas áreas extractivistas pressupõe a replantio das espécies, mas o crescimento dos novos rebentos dificilmente acompanha o ritmo de abate de árvores com 30 ou 40 anos. Mais de uma dezena de madeiras tropicais são regularmente exploradas na Amazónia: mogno (a mais cara), cedro, cacheta (laminados para o Japão), tauari, cerejeira, ipé, cinzeiro (leve, própria para casas), bacuri, garapeira, itaúba e cumarú de ferro (tão dura que até chega a partir as ferramentas de corte).
Bom tempo em rota, a 6000 pés de altitude (cerca de dois quilómetros) ao longo do trajecto, mas quase a rasar as copas das árvores mais altas, na serra dos Pacaás Novos. Antes de aterrar, o piloto brindou-nos com o sobrevoo da fortaleza, o que nos possibilitou a tomada de excelentes imagens do monumento.
Costa Marques é um pequeno município fronteiriço com cerca de oito mil habitantes recenceados, mas provavelmente com 11 ou 12 mil, actualmente, dado o crescimento evidenciado. Agricultura e criação de gado assumem-se como as principais actividades "oficiais", já que Costa Marques surge sempre referenciada como uma das principais portas de entrada da cocaína boliviana. Primeiro, de barco e depois por estrada de terra batida (BR429) apelidada de "Transcoca". A vila organiza-se ao longo de uma avenida larga até ao rio, com três hotéis, dois ou três restaurantes - entre os quais, um rodízio que se revelou um verdadeiro achado, a Churrascaria do Gaúcho - e diversos estabelecimentos comerciais. Na frente ribeirinha, erguem-se casas de madeira sobre palafitas e mais alguns restaurantes cuja especialidade é, naturalmente, peixe (surubim e pintado fritos e grelhados).
10 dias de barco no rio Madeira
Regressámos a Porto Velho para embarcar no mesmo dia no Cândido VIII, um navio típico de toda a bacia do Amazonas, com três "decks", que seria a verdadeira casa do grupo durante 10 dias. Um típico dia a bordo começa com os primeiros sinais da alvorada (6h) e as movimentações da tripulação ou a agitação no cais de acostagem. Poucos são os que conseguem dormir ou permanecer deitados nas tradicionais redes suspensas no segundo convés depois dessa hora. A partir das 7h, é servido o café da manhã, composto de leite, café e biscoitos, isto é, singelas fatias de pão duro levemente tostado, para barrar com margarina ou doce de goiaba. É tempo de partir para mais uma excursão ou passeio de "voadeira" para visitar as comunidades ribeirinhas.
A cada paragem, pesca-se. Jaraquis, douradas, pacús e piramutabas foram as mais frequentes capturas, mas também os terríveis candirús e as vorazes piranhas, que representam um risco muito sério para qualquer homem ou animal caído à água ferido. Atacam às centenas e devoram uma presa em poucos minutos!
O almoço é, geralmente, servido ao meio-dia e o jantar, entre as 19 e as 20h, compostos por peixe, frango ou carne guisada com arroz branco, feijão encarnado, esparguete de tomate e a omnipresente farinha de mandioca com que os brasileiros povilham todos os alimentos. A tarde pode ser ocupada no exterior ou simplesmente fluir por entre uma sesta na rede, a leitura de um livro ou a observação das margens do rio. Os banhos são tomados ao fim da tarde, nos chuveiros instalados nos WC e abastecidos com água do próprio rio.
Às 22h, já toda a tripulação está deitada nas suas redes do convés, à excepção do homem do leme, o "prático" e de um ajudante.Os viajantes, esses, saboreiam uma última bebida e um charuto no "deck" superior, admirando o céu estrelado. Recolhem aos seus casulos de rede um pouco mais tarde, depois de porem a sua escrita e leituras em dia.
O suave deslizar do barco cortando as águas convida ao repouso e à contemplação.
A paisagem desfila lentamente perante o olhar. Dispersas nas margens surgem, aqui e além, as casas de madeira dos habitantes do rio. O ronronar do motor embala os passageiros num sono profundo desperto, apenas, com a chegada a um cais. Os gritos das crianças a pescar; o canto madrugador dos galos em terra; e os assobios e trejeitos dos "marítimos" descarregando caixa de frutas e legumes ou embarcando grossas barras de gelo.
O rio Madeira é navegável todo o ano mas, nesta época (Setembro), a navegação exige cuidados redobrados por parte dos pilotos. Bancos de areia e pedrais, são as maiores ameaças e, não raro, o barco navega alternadamente a escassos metros da margem ou no centro do rio, ziguezagueando à procura da melhor passagem. À noite, um projector de grande intensidade perscuta as águas regularmente, de modo a detectar com antecedência qualquer osbtáculo ou objecto flutuante que possa pôr em perigo a derrota da embarcação ou evitar uma colisão com um barco mais pequeno desporvido de luzes de sinalização.
Ano após ano, as águas da enchente "comem" uma fatia da margem, que se esboroa em lama, arrastada pela força das correntes. A largura do rio Madeira vai, assim, aumentando progressivamente, situando-se em média nos dois quilómetros entre uma margem e outra. Por outro lado, a força das águas dos igarapés e riachos rasga a terra a caminho do grande rio, abrindo fendas na terra húmida.
A cachoeira-jacuzzi de Santa Catarina
Primeira escala em Santa Catarina, uma comunidade fundada há 70 anos por uma família portuguesa e que conta hoje com mais de uma centena de habitantes, escola, igreja e luz eléctrica 24h por dia, com apoios do Governo Federal, ao abrigo do program "Luz no Campo". A comunidade explora dois mil hectares, mas possui uma reserva de mais 20 mil, dedicados à plantação de mandioca. Um dos projectos consiste em ensacar farinha de mandioca para colocar no mercado, o outro, reside no ecoturismo, tirano partido da riqueza piscícola do lago Mururé e dos igarapés e cachoeiras vizinhos. «Aqui no rio, a primeira coisa que se aprende é a pescar», afirma Sidney Queirós, descendente do fundador e actual líder da comunidade. Nesse dia, os piauis e os jaraquis fizeram as honras de uma bela grelha e de uma mesa improvisada numa rocha, junto a uma pequena cachoeira que é um verdadeiro jacuzzi natural.
Da simples piroga movida à pagaia, à balsa gigante carregada de camiões TIR e passando por uma enorme variedade de "recreios" de passageiros e carga, a descida do rio Madeira - principal "autoestrada" da Amazónia - possibilita ao viajante um quadro único sobre a vida e o desenvolvimento da Amazónia. Os locais comentam que o desinteresse dos governos federal e estadual do Amazonas, relativamente à conservação da Transamazónica, tem origem nos "lobbies" das companhias que operam as balsas. A asfaltagem da estrada resultaria numa transferência dos camiões TIR, principal fonte de receita do transporte fluvial.
Antiga capital da borracha no princípio do século, Calama reunia toda a produção vinda de Porto Velho e das comunidades de seringueiros dos rios Preto e Machado (o que mais produziu na região amazónica). Hoje, é morada de três centenas de famílias, reunindo 1555 pessoas, maioritariamente católicas e fiéis ouvintes do padre Francisco Viana, de 70 anos (44 dos quais, como padre), na igreja e… na "rádio" local: «missão da Igreja de S. João Baptista, Distrito de Calama, serviço de altifalantes, em mais um programa da série "Encontros com Cristo"...», pode ouvir-se, diariamente, às 6h, 12h e 18h.
Mas a coroa de glória do padre Viana é o barco-hospital (com consultório, dentista, farmácia e laboratório), construído com apoios do Governo Estadual de Rondónia, Governo Municipal, da Alemanha e da Universidade de São Francisco (S. Paulo) para servir quatro dezenas de comunidades ribeirinhas dos rios Madeira, Machado, Ji-Paraná e Preto. «Evangelização integral: cuidamos do corpo e da alma", é o seu lema. "Nesta área, temos apenas dez pequenos postos de saúde, mal equipados e sem médico. Apenas as sedes de dois distritos, Calama e São Carlos do Jamari recebem, quinzenalmente, a visita de uma equipa médica de Porto Velho - explica o padre Francisco Viana - com o barco, fazemos um atendimento mensal, durante dez dias, com nove agentes de saúde, mas o projecto necessita de 150 mil reais por anos (cerca de 19 mil contos) para ser viável».
Em busca dos Mura e dos Parintintins
Outro clérigo, o padre Moisés, de Humaitá, acabaria por revelar-se essencial para o sucesso do nosso primeiro contacto com uma comunidade índigena do rio Madeira, no caso, os Parintintins da aldeia de Traíra. A chegada dos visitantes atrai logo os mais novos, os homens (liderados pelo vice-cacique) e só mais tarde, as mulheres. A conversa tem lugar nos bancos da escola, uma maloca de madeira recoberta de folhas de palmeira, mas sem paredes, porque o calor e a humidade assim o exigem. É, também, a sala da televisão (colocada ao lado do quadro de giz), com sinal recebido por antena parabólica e energia fornecida por um pequeno gerador que alimenta toda a aldeia, durante algumas horas, ao fim do dia. A enfermaria possui uma pequena farmácia e está dotada de um microscópio, onde o agente de saúde índigena pode fazer análises ao sangue para detectar eventuais casos de malária.
Ao todo, são 74 habitantes, distribuídos por uma dezena de casas de madeira (a maioria sem paredes), erguidas sobre palafitas e recobertas com folhas de palmeira. Todos dormem em redes suspensas no ar, mas não prescindem de alguns benefícios da modernidade, como fogões a gás, panelas de alumínio, copos de vidro e depósitos de água em brasilit (a versão brasileira do lusalit). No vestuário, há muito que adoptaram a T-shirt e o calção, com preferência por alguns clubes de futebol ou de iniciativas em prol dos índios.
Outrora antrópofagos e inimigos fidagais dos seus vizinhos Mura, os Parintintins são hoje um povo pacífico, hospitaleiro e sedentário. Cultivam mandioca, plantam bananeiras, criam galinhas e já caçam com espingarda, mas ainda pescam com arco e flecha. A grande maioria só fala português, mas os mais velhos estão empenhados na recuperação da sua língua nativa (que quase se perdeu por completo), com o apoio de estudantes da Universidade de S. Paulo. «Na prática, são índios que vivem aculturados e ao modo do homem branco, embora conservando parte das suas tradições», explica o padre Moisés.
Em Manicoré, dirigimo-nos à delegação da COIAB - Coordenação das Organizações Ìndigenas da Amazónia Brasileira, que desenvolve um trabalho meritório no apoio às comunidades de índios, ganhando progressivamente alguma autonomia face ao organismo tutelar estatal da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Apesar das objecções levantadas, lográmos visitar duas comunidades de caboclos - Aparecida e Ponta Natal - integradas numa área demarcada índigena, nas margens do rio Mataurá. «A FUNAI queria jogar nós daqui - denuncia uma das habitantes de Aparecida - mas foi Deus que colocou nós aqui. Coração e pensamento, só Deus que pisa. Aqui não tem índio». Já em Ponta Natal, o problema reside no facto da escola ter ficado na área demarcada e existirem casos de discriminação dos que não aceitaram ser índigenas. Mas encaram como positiva a demarcação, pela protecção contra os intrusos e depravadores, nomeadamente, pescadores.
Em Autazes, a nossa visita recai sobre o bairro Mutirão onde os índigenas Mura vivem em condições de insalubridade muito próximas de uma favela: esgotos a céu aberto, um único ponto de abastecimento de água e que é, simultaneamente, lavadouro de roupas e pessoas. A área está sob a jurisdição do Conselho Índigena Mura (CIM), que procura assegurar cuidados de saúde, educação, assistência jurídica, meios de auto-sustentação e noções de protecção do meio ambiente à população de 36 aldeias. No capítulo cultural, o grande objectivo é o da recuperação da língua Mura, perdida já no tempo dos avôs da actual geração (até ao presente, já foram repertoriadas 120 palavras). «O contacto com os brancos foi desaculturando os índios. Um sonho que a gente tem, é o de recuperar a língua», frisa Gilberto, um dos coordenadores do CIM.
O rio Madeira desagua no rio Amazonas (de que é o maior afluente) a cerca de meio-dia de viagem de Manaus. Aqui, o Amazonas já tem uma largura de cinco quilómetros. Às portas de Manaus, o barco cruza o chamado "encontro das águas", o ponto em que as águas barrentas do rio Solimões se juntam às águas escuras do rio Negro, formando o rio Amazonas. As águas fluem juntas ao longo de mais de 40 quilómetros, até se misturarem por completo.
Manaus está cada vez mais longe dos seus tempos de glória e esplendor do apogeu do Ciclo da Borracha - foi a primeira cidade brasileira a ser dotada de luz eléctrica e de uma rede de eléctricos para transporte público. Apenas restam alguns edifícios do século passado, com destaque para o famoso Teatro Amazonas (1896) e para o Mercado Municipal, inspirado no antigo mercado de Les Halles, em Paris (hoje, desaparecido). De resto, é uma selva urbana construída sem o menor planeamento urbanístico ou, sequer, o mínimo bom gosto. Gente aos magotes e os primeiros turistas que avistámos em muitos dias. A grande maioria fica hospedada nos hotéis da selva dos arredores de Manaus, onde lhe são proporcionados alguns passeios para observação de animais e… pouco mais. Do contacto com a população local, apenas os que trabalham nos hotéis e uma ideia muito romântica de índios nus e no seu estado mais primitivo que há muito deixou de existir na Amazónia, mas isso será o tema de um próximo capítulo...
(*) Por Alexandre Coutinho. AQUI
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AINDA DEMORA10.04.2005 Para finalmente revelar ao Brasil a extensão do desmatamento ocorrido na floresta amazônica entre agosto de 2003 e agosto de 2004, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão responsável pelo número oficial, precisa ainda processar cerca de 50 imagens de satélite da região. O trabalho está atrasado em relação ao cronograma que foi seguido em anos anteriores. A prática era divulgar o número em março. Já estamos em abril e ainda há muito a fazer. Nos institutos de pesquisa e Ongs que atuam na Amazônia, a expectativa é que a taxa sai mesmo é no início de maio. Com muito esforço, talvez finzinho desse mes. A demora, até agora não explicada, terá ao menos uma compensação. O governo vai abrir os dados e imagens que foram usados para compor a taxa ao exame de pesquisadores de instituições públicas e privadas. A única exigência é que mantenham sigilo sobre as informações até o anúncio oficial. Eles vão recebê-las com 4 dias de antecedência e poderão fazer com elas o que bem entenderem – desde auditar os números do Inpe até processar as mesmas imagens usadas pelo instituto em menor escala, para enxergar a floresta mais de perto. Tamanha abertura por parte do Ministério do Meio Ambiente é uma novidade do mandato de Lula. Até agora, o número era divulgado e pronto. Poucos tinham acesso aos dados. Nunca com antecedência. Em parte, isso explica a visível ansiedade com que cientistas e pesquisadores da região aguardam a taxa final. O resto da explicação fica por conta do número propriamente dito. Há uma certa resignação em relação ao fato que ele continuará muito alto. Em desmatamento na Amazônia, Lula está tendo desempenho de Fernando Henrique, que fez o Brasil entrar no século XXI dando meia-volta até o fim dos anos 80, deixando em média, nos últimos 3 anos, desaparecer um Sergipe inteiro de floresta. Em números, são cerca de 23 mil quilômetros quadrados. O drama do atual governo é que ele corre bem mais do que o risco de repetir o antecessor. A primeira taxa de desmatamento de Lula pode muito bem ser a maior da história. Em março, durante audiência na Câmara dos Deputados, João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), disse que espera um número em torno de 24 mil quilômetros quadrados. Revelou também que existe uma margem de erro em torno de 15%, para cima ou para baixo, na taxa final. Como desvio estatístico, é imenso. Tomando o número de Capobianco por base, o desflorestamento poderá ter atingido entre 20 mil e 400 e 27 mil e 600 quilômetros quadrados de mato. A diferença é quase um terço de Sergipe. Pena que são poucos os que têm fé, mesmo com tamanha extensão para erro, numa taxa próxima do número mais baixo. A maioria dos pesquisadores acredita que ela ficará no mínimo no patamar apontado por Capobianco. Muitos acham que há um cheiro de recorde histórico no ar e que a taxa vai encostar nos 30 mil quilômetros quadrados. A discussão em torno de um número que ainda não saiu não é mera especulação, mas reflexo de um fenômeno que junta desenvolvimento tecnológico com o aumento de sistemas e satélites que monitoram a superfície da Amazônia. Há muito a região não era tão vigiada dos céus. Sevindo especificamente ao Brasil, existem 3 satélites, ou sensores remotos como preferem os entendidos. O índice oficial do INPE baseia-se em imagens capturadas pelo satélite Landsat para o Prodes, seu programa para acompanhar o desflorestamento na Amazônia. O Instituto analisa as imagens em escala 1/ 250 mil. Nessa proporção, é impossível enxergar, por exemplo, pequenos focos de desmatamento com menos de 6,25 hectares. Existe tecnologia para processar estas mesmas imagens com escala de 1/ 50 mil, capaz de revelar a floresta com maior resolução e riqueza de detalhes. Dá para vê-la 5 vezes mais de perto, detectando qualquer tipo de devastação a partir de 1, 25 hectares. Mas essa tecnologia não é empregada pelo Inpe. A razão tem a ver com metodologia. É nessa proporção que o Inpe sempre processou a taxa de desmatamento na Amazônia. Mudá-la agora significaria perder a consistência histórica da coleta de dados e impedir, daqui para a frente, comparações com o que ocorreu em anos anteriores. Mesmo que quisesse, a mudança não aconteceria de uma hora para outra. Seria preciso antes absorver tecnologia e capacidade de análise. Além do Landsat, dois outros satélites fornecem imagens usadas para identificar desflorestamentos na Amazônia. Um é o Cybers, projeto conjunto entre Brasil e China. O outro chama-se Modes e serve de pilar ao programa Deter, do Ministério do Meio Ambiente e Ibama, dedicado a achar desmatamentos em tempo real na região. Por conta dessa característica, de geração de imagens no menor espaço de tempo possível, a resolução da produção do Modes é baixa, coisa que o impede de detectar qualquer desmatamento com menos de 10 hectares. Detalhe importante a ser levado em consideração quando a taxa de desmatamento finalmente for revelada é que apesar de nominalmente estar referenciada pelo período que vai de agosto de 2003 até agosto de 2004, ela no fundo vai registrar principalmente as derrubadas do primeiro ano. Na Amazônia, o desmatamento ocorre no período de seca, que vai de julho/agosto até outubro e é chamado de verão na região. Nos meses de chuva, é impraticável entrar no mato para cortar árvores. O número que será apresentado em maio, portanto, não incluirá os desmatamentos que aconteceram em 2004. Por essa razão, tem gente achando que o governo Lula corre o risco de amargar em 2006 uma taxa ainda pior do que a que será divulgada em 2005. por Manoel Francisco Brito. Para ler AQUI
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