segunda-feira, fevereiro 28, 2005
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[10:37]
No rastro da felicidade (*)
26.02.2005 | É sempre assim: quando vou a Santa Catarina custo na volta a escrever sobre outro lugar. Minha relação com aquela terra é um romance sem fim e, juro, os umbigos das mulheres de Blumenau nada – ou pouco – têm a ver com isso. A imundice hippie de Guarda do Embaú também não atrapalha em nada o bem-estar que me toma de assalto quando chego por lá. Se querem mesmo saber, nem os argentinos me incomodam. Entro em transe quando as estradas de São Paulo e Paraná ficam para trás. Sinto-me especialmente em casa quando subo o Caminho do Rio do Rastro, onde me hospedo em hotel-fazenda de mesmo nome no topo de uma região de cânions e penhascos que somem e reaparecem ao sabor do balé das nuvens sobre a relva. Me emociono. Sentado na varanda de um daqueles chalés, como dizia o poeta, “resta a imensa vontade de chorar diante da beleza”.
O hotel fica em Bom Jardim da Serra, irmã mais pobre de São Joaquim e Urubici, circuito brasileiro da neve. De junho a agosto, a região vive entupida de gente morrendo de frio à espera de um punhado que seja de flocos brancos caídos do céu sobre os gorrinhos de tricô. Em janeiro e fevereiro, quando subo a antiga trilha de tropeiros, o lugar está sempre às moscas. São elas, eu, as seriemas, as gralhas azuis, cobras, cachoeiras, o friozinho do verão, 8 graus de manhã cedinho – 15, à tarde. Bebe-se vinho e come-se arroz carreteiro no restaurante Nossa Senhora das Nuvens, à beira do grande lago das trutas. Meus filhos vestem casaco, descansam a pele do sol escaldante que nos abençoava na véspera rio acima de Guarda do Embaú. Em questão de horas, o verão virou ficção.
Dessa vez tive o prazer de conhecer no Rio do Rastro o engenheiro Ivan Cascaes, que a exemplo de Paulo Zulu em Embaú, cuida de todos os detalhes de seu hotel. Divide seu tempo entre Florianópolis e Bom Jardim da Serra, tem por aquelas matas carinho de ambientalista, mantém com os hóspedes proximidade e discrição na medida certa, nem sempre respeitada pelos hoteleiros. Faz churrasco com sanfoneiros (gaiteiros) no curral, conta lendas da região, o prazer de receber bem é o negócio dele.
Ivan Cascaes, assim como Paulo Zulu, é um apaixonado pelo seu negócio. Diferentemente dos resorts caros e impessoais e do turismo do desconforto em pousadinhas de dois tostões, Zulu e Cascaes trabalham para transformar a estadia de seus hóspedes em momentos inesquecíveis com direito a tudo que se precisa para isso: uma boa cama, bom banho, boa comida e companhias agradáveis. O resto fica por conta da natureza.
Esse é, lamentavelmente, um tipo de turismo em extinção no Brasil. Zulu e Cascaes conseguem, no máximo, empatar receita e despesas de suas pousadas. O capricho, como se sabe, está saindo de moda no Brasil. Se eu fosse vocês, visitava os dois endereços abaixo nas próximas férias. Não há amor que sustente negócios deficitários por muito tempo.
Rio do Rastro Hotel Fazenda - Rod. SC- 438 - Km 130 - Bom Jardim da Serra – SC.
Pousada Zululand - Guarda do Embaú – SC, tel. (48) 2832093
(*) por Tutty Vasquez. AQUI
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Postado
por Ana M.C_Portugal
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[10:27]
O próximo papa
26.02.2005 | Com as crises de saúde cada vez mais freqüentes – e mais graves – do papa João Paulo II, voltam à baila discussões a respeito de seu sucessor. A dúvida é se virá mais um conservador ou se, desta vez, haverá como líder da Igreja Católica versão romana alguém liberal. Por liberal, entenda-se mais inclinado à aceitação de homossexuais, talvez de abortos, no mínimo tolerante com o uso de contraceptivos.
O argumento liberal é que o ultraconservadorismo de Karol Wojtilla está alienando católicos romanos em todo o mundo, afastando famílias da Igreja. É bem provável que estejam certos. Mas uma olhada para o lado, para a crise da Igreja Anglicana, pode indicar o tipo de abalo sísmico que aguarda a Igreja de Roma quando finalmente vier um papa disposto a encarar o mundo atual.
Em finais de 2003, a Igreja Anglicana dos EUA – lá chamada Igreja Episcopal – consagrou Gene Robinson bispo de New Hampshire. Pai de duas filhas, avô de uma neta, desde 1989 Robinson vive com Mark Andrews, seu parceiro. Passou por psicoterapia para livrar-se do homossexualismo, permanece amigo da ex-mulher, é militante da causa gay. E é bispo. Desde sua nomeação, com muita cautela, tanto a Igreja Episcopal como a Igreja Anglicana do Canadá vêm realizando casamentos entre parceiros do mesmo sexo.
Embora a Igreja Anglicana tenha, no Arcebispo de Canterbury, uma espécie de patriarca no modelo católico do Bispo de Roma – o Papa –, sua organização é mais descentralizada. Por outro lado, embora tenha lá suas semelhanças com os movimentos protestantes do cristianismo, também não é uma igreja protestante. É praticamente católica em seus ritos, adora a Virgem Maria. Tem, com a Igreja de Roma, uma relação íntima como aquela mantida com os Católicos Ortodoxos. Não raro, sacerdotes anglicanos deixam sua igreja para serem nomeados sacerdotes católicos. São mais parecidos que diferentes.
Agora, nesta última semana, líderes anglicanos de todo o mundo pediram às Igrejas dos EUA e do Canadá que não enviem representantes oficiais às reuniões da Comunhão Anglicana, que agrupa os principais sacerdotes. Na Grã-Bretanha, os fiéis estão divididos. Uns defendem que o exemplo norte-americano e canadense deve ser seguido; outros acham que trai a Bíblia. Mas a maior oposição vem dos anglicanos da África, imensamente mais conservadores. Temem que uma aceitação do homossexualismo pode levar fiéis a bandear para igrejas protestantes ou, até mesmo, para o Islã. E mesmo o apoio do arcebispo sul-africano Desmond Tutu, Nobel da Paz, não adiantou muito.
O mesmo tipo de crise atingiu a Igreja Anglicana há algumas décadas, quando passou a ordenar mulheres. Hoje já não causa tanto choque. E o pedido de que não venham representantes oficiais para a Comunhão não é visto como censura – representantes virão, ao longo deste semestre, para que apresentem suas visões. O processo, no entanto, será traumático e doloroso.
O grande problema é que as transformações sociais do século 20 foram intensas, profundas e muito rápidas. Nos anos 40 e 50, Karol Wojtilla não era visto como um reacionário. Dentro de um país particularmente conservador como sua Polônia natal, ele foi um dos primeiros padres a falar abertamente sobre sexo com os jovens. De maneira alguma para incentivar sexo antes do sacro matrimônio, mas para reconhecer tentações e discuti-las.
Em finais dos anos 70, quando foi alçado a papa, ele trazia outros dois trunfos. Um, o de ser um bispo que vinha de trás da Cortina de Ferro, que de fato conhecia o mundo comunista em suas entranhas. João Paulo II é um dos grandes responsáveis pela queda do Comunismo em seu país e, portanto, pela crise que seguiu, culminando com o desmantelamento da União Soviética.
E foi também o papa que terminou uma longa tradição anti-semita na Igreja Católica Romana. Era importante, no contexto da Guerra Fria, porque Israel era importante no Oriente Médio. E era importante porque a Igreja teve um papel deprimente durante a Segunda Guerra: ela se calou.
Mas acontece que estas são questões que não existem mais – e Wojtilla permaneceu papa uns 15 anos além. A Revolução Sexual se firmou, a sociedade é outra, há novas expectativas. Conseqüências da Revolução Sexual são que mulheres não ocupam mais, no mundo, posições subalternas; o casamento entre homossexuais está a um passo de ser reconhecido. Talvez demore alguns anos, ainda, mas nos grandes centros urbanos já tem legitimidade social. E sexo antes do casamento, na verdade, é uma questão irrelevante. Não existe mais – soa como arcaísmo.
Para que a Igreja Católica Romana volte ao mundo real, terá de lidar com essas questões. Não será fácil, pois os movimentos conservadores ainda são fortes. O problema é que, no momento em que ela não representa mais o bojo das pessoas, perde a relevância. Deixa de fazer parte da vida comunitária e passa a ser apenas uma tradição, uma coisa do passado que, lentamente, vai sendo esquecida. Não é difícil perceber esses efeitos em países como o próprio Brasil.
Quando estourou agora quinta-feira, numa reunião em Brasília, a notícia de que João Paulo II tinha sido novamente internado, desta vez para uma traqueostomia, um representante da CNBB comentou: “Já vai tarde”. Parece de uma crueldade, de um anticatolicismo absoluto. Mas está na hora de um novo papa. Não será fácil: precisará mudar muita coisa e rápido, coisas que já deviam estar sendo mudadas, lentamente, há duas décadas. Vai ser difícil e talvez não seja questão de sobrevivência. Mas de manter-se relevante.
(*) por Pedro Dória. AQUI
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Postado
por Ana M.C_Portugal
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[10:09]
UMA ESTRADA À MARGEM DA HISTÓRIA (*)
23.02.2005 Um dia, o Governo Federal achou por bem traçar duas estradas, uma de norte a sul, outra de leste a oeste, cruzando a Amazônia. Ao longo dos anos 70 e 80, ainda durante o Regime Militar, espalharam-se à beira de ambas, principalmente da que ia de Cuiabá a Santarém, uma série de colônias. É neste entorno que ocorrem os conflitos que levaram à morte a irmã Dorothy Stang.
Com a democracia e a pressão ecológica, quem foi para lá se transformou em transtorno – e vilão. Com ou sem motivos, o Estado faltou com suas promessas. Para conhecer a situação, NoMínimo foi a Guarantã do Norte, última cidade de Mato Grosso antes da divisa com o Pará.
A situação fundiária é tão confusa que, ainda hoje, Mato Grosso e Pará disputam a posse de 2,4 milhões de hectares – cada hectare são 10 mil metros quadrados – nos arredores. Embora diariamente o cartório de Guarantã registre compras e vendas de terrenos, quase ninguém tem título de propriedade. Oficialmente, as terras amazônicas, não apenas de lá, pertencem à União.
E, em toda a região, a história começa pela estrada que faz seu canto de chamado ao norte, onde a terra é muita. Assim como a morte.
Murillo Valle Mendes estava atrasado. Reunidos na sede do Lions Clube, os empresários mordiscavam ansiosos os comes do bufê, a festa preparada, os envelopes lacrados com propostas. Mas Murillo não chegava. Num canto do salão, Samuel Mendes – seu sobrinho, ou filho, ninguém sabia ao certo – tentava contato telefônico. Não conseguia. Devia estar voando ainda. A meia hora de atraso virou uma, então duas. Três.
Samuel havia chegado fazia uns quinze dias a Guarantã do Norte, a última cidade em Mato Grosso antes da divisa com o Pará, a 725 quilômetros de Cuiabá. Consigo, trazia tratores alugados na região, caminhões, um sorriso e o crachá da Mendes Júnior. Registrou-se no hotel, explicou que cuidaria da pavimentação da BR-163. Sua empresa ganhara a concorrência. Algo a ver com as PPPs do governo Lula – era obra grande. No trecho mato-grossense da estrada, ainda são uns 20 quilômetros de terra na estiagem, lama na chuva, serviço para uns 14 milhões de reais.
Pedro Doria
Uma madeireira a pleno vapor atrás da prefeitura Samuel não parou de trabalhar um segundo durante os últimos quinze dias de janeiro. Colocou anúncio procurando pedreiros e serventes, contratou tantos quanto apareceram. Então, no lado paraense, começou a erguer o acampamento. Acordou a compra de um hotel para os engenheiros e executivos da empreiteira, com um cheque da dona do hotel adquiriu uma farmácia para dar apoio às obras e tratou de levar os medicamentos para o posto avançado.
Visitou a cooperativa Cira Braço Sul e fez uma proposta à diretoria. Teriam a exclusividade no fornecimento de leite e queijos para o restaurante do acampamento, a licitação seria ajeitada para isso, mas em troca precisariam oferecer uma ajuda de custo – 10 mil reais. Visitou cada loja de material de construção, cada empresa de telefonia, de elétricos – visitou quem pôde e, para quem aceitou, quase todos, sugeriu acertos equivalentes, invariavelmente maiores.
Uma certa aura de felicidade, contágio pela simpatia de Samuel talvez, ou pelo alívio de que o pesadelo da lama estava para chegar ao fim, espalhou-se pela cidade. E ele parecia ter gostado de Guarantã, até comprou uma fazenda. Não que fosse tudo em paz – uma equipe da emissora local da Record foi expulsa do acampamento aos berros. Samuel só dava entrevista à Globo. Mas era para o bem.
E enfim conseguiu contato com o telefone do presidente da Mendes Júnior. Tinha sido uma pane no avião, algo assim – estava parado em Sinop. Samuel Mendes pegou o carro para buscá-lo e nunca mais voltou. Levou 1,5 milhão de reais consigo, carteiras de trabalho, pilhas de caixas de remédio. Na empreiteira, ninguém sabe de qualquer contrato para pavimentação da estrada.
Uma terra sem homens
Pedro Doria
Táxis usam o sinal perpendicular para correr na estrada A estrada: 3.995 quilômetros que cortam o mapa brasileiro do Rio Grande do Sul ao Pará, 1.760 quilômetros no trecho Cuiabá-Santarém, o maior corredor de escoamento do país. É por ela que segue para o mundo boa parte da soja que engorda o PIB, é em suas bordas que alguns dos piores conflitos agrários acontecem, nos seus arredores caiu morta a irmã Dorothy, como caem milhares de anônimos. Foi ela que embalou no rumo norte o sonho militar do Brasil Grande. Integrar a Amazônia para não entregar. Uma terra sem homens para os homens sem terra. Uma cicatriz de barro e asfalto ao longo da maior floresta tropical do mundo, sem a qual o Brasil não seria viável economicamente.
Guarantã do Norte é como todas as cidades amazônicas à beira da Cuiabá-Santarém – da BR, como a chamam. Os humores do povo vêm e vão de acordo com as chuvas, com a trafegabilidade. A cidade, como algumas ao sul, como tantas ao norte, foi criada para que a estrada existisse. Em 2004, um único pequeno fazendeiro perdeu 700 mil reais em soja porque os caminhões não atravessaram a lama em tempo. Na pequena delegacia civil, há uns risinhos de corredor por conta da história de Samuel Mendes – risinhos que disfarçam a compreensão. Não há tanta ingenuidade, outros golpes não vingariam – mas este envolveu a estrada, sua esperança mais cara.
A marca da estrada, o contraste entre lama e asfalto, sente-se em cada veículo. Nas picapes, melhores e piores, que circulam pela cidadezinha. Nos táxis. Nenhum apresenta o sinal TÁXI no capô paralelo ao pára-brisa; estão todos de lado, quem vê o carro de frente não lê. Os motoristas mais jovens surpreendem-se ao descobrir que no resto do mundo é diferente. Mas fica ali, perpendicular à frente mesmo, para que o vento não o leve longe quando está na estrada a 110 por hora ou mais. O asfalto pouco dá sede de correr. Todos correm.
A marca está também nas motocicletas – o segundo veículo de quase todos é uma moto e, porque quem usa o segundo veículo costumam ser as mulheres, às vezes parece, de cada três motos, duas têm uma mulher no comando. Mas a experiência da estrada encontra-se, principalmente, nos inacreditáveis jericos. São carros artesanais, como que carroças levadas a motor de diesel, a partida muitas vezes dada pelo puxar de uma corda, pedais de madeira, volantes e marchas de carro velho, uma lona que proteja da chuva. É a picape dos pobres que atravessa a lama que carro popular não enfrenta, seu motor faz um po-po-pó na combustão que serve de trilha sonora para Guarantã.
A BR é como a linha de trem no faroeste que faz seu chamado. Se no faroeste americano as ruas eram de chão, mas nos saloons as moças vestiam veludo francês, algo parecido ocorre aqui. Em tudo quanto é lugar em que se entra em Guarantã, estão lá um ou mais computadores ligados à Internet por banda larga. Rarissimamente os monitores têm tubo de imagem. São flat, a última tecnologia que na cidade seria um luxo. Não é uma cidade descolada da modernidade: todos têm celular, tevê a cabo e, quando há dinheiro, ar condicionado. É quente no verão, de um calor desagradável, úmido, que empapa a roupa mesmo de quem não está se mexendo. Um armário embutido para a cozinha feito de mogno sai por uns 700 reais. Afinal, na linha do horizonte ao redor todo, sólida, intransponível, fica a mata.
Só é intransponível por impressão. Há 25 anos, Guarantã do Norte não existia. Era Amazônia fechada. Há 35 anos, enquanto o resto do Brasil celebrava o tri no México, caminhavam desconhecidos por aquela mesma terra os índios kreen-aka-rorê, ou panarás, que tinham parca idéia da existência de uma gente diferente no além mata. Aí veio a estrada. Então, os colonos. Vieram o ouro, a malária, as madeireiras, o gado, a soja; os garimpeiros, os posseiros, os pistoleiros, os grileiros, os grandes proprietários, os sem-terra. E, no fundo, todos parecem ter sido um pouco de tudo em algum ponto de suas vidas: sem-terras, garimpeiros, posseiros, grileiros, proprietários.
Primeiro contato
Pedro Doria
BR-163: embalando os sonhos rumo ao norte Quando Cláudio Villas Bôas atravessou o rio Peixoto de Azevedo no dia 2 de fevereiro, em 1973, tinha 57 anos. Na margem para a qual se dirigia, ariscos, um grupo de panarás o esperava – Cláudio oferecia uma faca de presente. Queria dar-lhes pessoalmente, eles preferiam que a depositasse numa árvore para pegarem-na. Não falavam nenhum dos dialetos que o antropólogo conhecia. Um encaixou flecha no arco, esticou a corda – outro mandou que baixasse a arma. Cláudio fingiu machucar o pé, caiu no chão ganindo. Curioso, um terceiro panará aproximou-se. Cláudio o abraçou. Do outro lado do rio, seus companheiros de expedição riam. Era alívio da missão cumprida.
Uma longa missão. Os panarás tentaram contato pela primeira vez em 1967, quando se aproximaram em grupo de uma pista de pouso na Base Aérea do Cachimbo, alguns quilômetros ao norte dali. Um militar desastrado, achando que se tratava de ataque, abriu fogo – eles debandaram, alguns mortos. Ficaram mais ariscos do que já eram. Mas, quando o governo Médici anunciou os planos conjuntos de traçar duas grandes estradas, uma de leste a oeste, outra de norte a sul, cruzando a Amazônia, o isolamento teria de chegar a um fim. Os operários empregados na Cuiabá-Santarém fatalmente cruzariam seu caminho e o resultado desse encontro traria conseqüências imprevisíveis.
A missão de contato coube aos irmãos Orlando e Cláudio Villas Bôas, fundadores do Parque Nacional do Xingu, talvez os maiores conhecedores das coisas indígenas. A expedição teve início em janeiro de 1972, quando as obras da estrada, tocadas pelos 8o e pelo 9o Batalhões de Engenharia e Construção, já estavam iniciando. Um operário chegou a ser flechado na perna – e o governo não admitia qualquer atraso. Os tratores, as serras-elétricas, estava tudo em franca operação. Quando o presidente Ernesto Geisel inaugurou a Cuiabá-Santarém, em outubro de 1976, os índios já haviam sido transferidos para o Xingu, o leito da estrada fora elevado, tudo devidamente terraplanado – mas em quase toda extensão só havia mato ao redor. E, até hoje, apenas 40% do percurso está pavimentado.
Nos anos seguintes, veio o esforço de colonização – em Guarantã, os pioneiros chegaram entre o final de 1980 e meados de 81.
PARTE II: A MORTE
A irmã Vanda Heleusa vira as páginas de seu caderno de espiral, as pontas das folhas amareladas pelo tempo. Irmã Vanda sorri, um sorriso plácido de que nada pode incomodá-la, de que está em paz e que ajudará em todo o necessário. Sempre. “Mortos, mortos”, ela balbucia para si mesma e vira as folhas, leva polegar e indicador aos lábios para umedecê-los e tornar a virar: “Está por aqui, eu tenho esses números, lembro que anotei”. E então a tabela se mostra: natimortos, causa malária, outras causas, homens, mulheres, crianças, até 81, até maio de 82; e, além da tabela, uma longa lista de nomes, cada um com data ao lado. Cada nome.
O plasmódio só existe onde há calor, mosquitos anófeles e gente. Na saliva do mosquito fêmea, o protozoário se reproduz e toma forma de esporos. Perante contato com sangue humano, os esporos seguem para o fígado, onde se dividem, passam por uma metamorfose e de lá são bombeados coração afora. Pouco após uma semana da picada, vêm as dores de cabeça, no corpo, o fígado começa a processar violentamente, enche-se duma bile escura – vômito preto. Febre, tremores. Falência hepática, renal, líquido nos pulmões, convulsão, coma. Morte. Não havia hospital.
Em finais dos anos 70, as Irmãs Dominicanas de Nossa Senhora do Rosário viviam no Mato Grosso do Sul, perto da fronteira com o Paraguai. Centenas de famílias brasileiras ocupavam terras arrendadas no país vizinho, uma crise que se incrementava a cada segundo. O general Alfredo Stroessner as queria fora. Na virada para 1980, as irmãs escreveram ao general João Figueiredo pedindo ajuda – notícia de ajuda chegou na Páscoa.
“Quando cheguei lá, chamei as irmãs e falei, 'gente, vocês pensem duas vezes, porque tem malária, é mato fechado', e aí, quando elas vieram, e vieram uns homens para conhecer, levei eles no garimpo, mostrei o lugar, já tinha a Cotrel, e o pessoal achou bom, quis vir.” Aos 53 anos, José Humberto Macedo é o prefeito de Guarantã do Norte – e nome do estádio municipal. Em finais de 1980, ele tinha 25 anos, era o executor do Incra no Projeto de Assentamento Conjunto Incra-Cotrel, o homem do governo federal naquele cantão da Amazônia.
Os primeiros a vir, em dezembro de 80, não foram os brasiguaios, foram gaúchos de Erechim, cujas terras Brasília fez alagar para a construção da Barragem de Paço Real – não havia obra pequena no tempo militar. Faziam todos parte de uma cooperativa, a Cotrel, e a Cotrel criou filial no norte do país para fornecer algum tipo de infra-estrutura aos associados. Cada uma das 1.200 famílias gaúchas ganhou um lote de 100 hectares para desmatar, semear, erguer casa e viver à beira da Cuiabá-Santarém.
“A irmã Cleunice que teve a idéia de a gente acompanhar os brasiguaios, ela disse que se alguma outra das irmãs acompanhasse ela ia também, a irmã Glícia falou que vinha e uma sobrinha dela, a Maria Lúcia, estava procurando alguma coisa e quis vir e eu morava no sul, na época, num seminário, e acabei topando a parada”, lembra irmã Vanda. “Porque a gente tinha participado desse processo de encontrar um lugar, não é? - e então a gente sentia que tinha uma responsabilidade nisso. Aí passamos 80 preparando a mudança, dividindo os grupos e, essa foi uma idéia da irmã Cleunice, em cada grupo ela procurava botar alguém de mais estudo porque aquela seria a professora, você vê, as crianças só perderam o ano de 81, em 82 já tinha escola. De dois em dois dias, quatro ônibus vinham, a estrada era de terra ainda, e começamos a chegar em junho de 81. Até setembro foi terrível.”
No total, o Incra assentou 500 famílias de brasiguaios, 2.177 pessoas. Em uma semana, veio a febre. Quase todo mundo teve. Quase toda família perdeu alguém. Em duas famílias, morreram pai e mãe. Numa delas, a criança mais nova não tinha 10 anos. Os primeiros caixões, fabricavam-nos com madeira de lei. Depois davam as tábuas para que as famílias construíssem elas próprias. No fim, enterravam os corpos embrulhados em lençóis. Primeiro enterraram nos próprios lotes, depois o executor José Humberto demarcou uma área para o cemitério – em um ano, parecia plantação de cruzes. Antes do primeiro ano bom: 10 adultos, 4 adolescentes, 21 crianças, 49 natimortos. Ninguém chega a uma conclusão a respeito do número final. “Mas, para cada morto, nasciam dez” emenda o prefeito. Ele se casou com a menina Maria Lúcia, sobrinha de uma das freiras.
Corpos, urubus e orgias
Pedro Doria O Estádio Municipal, que leva o nome do prefeito Após o primeiro contato com os panarás, em inícios de 1973, tudo pareceu festa. Pelos cálculos dos irmãos Villas Bôas, a população indígena descoberta nos arredores do que seria Guarantã do Norte poderia ter algo entre 300 e 600 pessoas espalhadas por dez aldeias. Começaram a morrer de gripe. De malária, índio não cai, mas o gripado de branco e de preto leva das dores do corpo à febre, à morte. Assustados, sem entender exatamente o que se passava, não enterravam os corpos, largavam-nos para urubus e abandonavam aldeias, acuados.
Quando começaram a morrer às dezenas, acendeu a luz vermelha na Funai e teve início a briga política. Cláudio Villas Bôas, que tinha feito o contato, foi destituído da responsabilidade e retornou ao Xingu. Ele e o irmão Orlando queriam férias – foram para o Japão. Embora ainda não inaugurada oficialmente, em 1973 mesmo a BR-163 foi aberta ao tráfego – e “O Globo” flagrou, na primeira página, uma índia panará pedindo biscoito a um motorista de ônibus. Desestruturaram-se – não queriam plantar, pedir comida era mais fácil.
E então veio o sexo. Índias, seduzidas pelos homens do Batalhão de Engenharia e Construção, terminavam em suas camas. Morriam de gripe, tinham diarréia por conta do açúcar que não conheciam e não queriam deixar de comer, morriam ao chegar em casa pelas mãos dos maridos enciumados. E depois das mulheres, foram os homens. Um sertanista, empregado da Funai, dentre os sucessores de Cláudio Villas Bôas, foi acusado em relatório oficial de apresentá-los à homossexualidade. Orgias no meio da mata. Muito rapidamente após a festa do primeiro contato, a situação dos panarás deteriorava-se a olhos vistos.
De volta do Japão, Orlando e Cláudio entregaram-se ao jogo de gabinete, de corredores do Planalto. Queriam trazer os panarás para o Xingu, a alguns quilômetros dali. Nem todos os indigenistas achavam boa a idéia de tirá-los da região com a qual estavam acostumados. Mas, em janeiro de 1975, exatos dois anos após a travessia do rio Peixoto de Azevedo por Cláudio para o primeiro abraço, os panarás deixaram sua casa em aviões do exército. Sobravam 79 dos 300 a 600 iniciais.
Ao longo de toda a década de 80, sua existência no Parque Nacional do Xingu foi sobrevivência e pouco mais. Na recepção, para o cumprimento, estava o chefe Raoni dos caiapós, seus inimigos tradicionais. Sentiram-se implorando por casa. Como eram muitas as mulheres, homens de outras tribos requisitaram-nas para casar. Os homens panarás encolheram-se. A taxa de natalidade caiu. As frutas com as quais estavam habituados, as carnes que comiam, não tinha nada do tipo no Xingu, outro ecossistema. Os rios tinham peixe pouco e diferentes. Arrancados da vida semi-nômade que tinham havia centenas de anos, foram lançados repentinamente no século 20. Parecia que rumo à extinção.
Ciclos econômicos
Na terra que largaram, as novas colônias não tinham vida mais fácil. Nos primeiros anos de Guarantã do Norte, o gerador que fornecia energia ficava ligado até às 22h, fora nos picos de malária. Então, para que irmã Vanda Heleusa checasse cada lâmina ao microscópio, deixavam mais tempo de luz. Os colonos foram para plantar, mas o chamado do ouro foi mais forte. Estava lá, na beira dos rios, bastava cavucar a terra que tinha ouro, houve quem não precisasse sair do próprio lote para garimpar.
E com o ouro, além da riqueza, vieram as boates – que não são lugar para dançar, são prostíbulos –, a falta de higiene no garimpo de homens amontoados uns sobre os outros. Na primeira rua de Guarantã, abriu-se um corredor de lojinhas de Compro Ouro. Maridos largaram suas famílias, passaram a beber, e fazia calor o verão todo, todo verão, que era o momento de a malária correr sua foice. Sentado à sua mesa, o presidente local do Sindicato dos Trabalhadores Rurais dá um suspiro. Valter Neves de Moura tem 35 anos, veio criança. Hoje é ligado ao MST, mas foi como todos, grileiro, posseiro, garimpeiro. “Sabe, a gente que é daqui vê: a floresta tem seus segredos, ela também sabe se defender.”
Quando o preço do ouro despencou, rumo aos anos 90, quando já era preciso cavar um metro ou mais para encontrá-lo, vieram as serrarias – o ciclo das madeireiras. Entrava um sujeito na mata, marcava as árvores boas, vinha depois a equipe das motosserras. Até hoje, toda hora chega alguém e põe anúncio no rádio local angariando braços. O responsável chega com um topógrafo no meio da mata, diz que é para cortar 40 quilômetros num sentido, quarenta no outro, fecha o quadrado – põe abaixo.
Em 2004, onze trabalhadores de Guarantã contratados para o grilo estavam calmamente derrubando um naco de Amazônia quando se depararam com pistoleiros contratados por outro interessado na terra. Foram mortos todos.
Mas quando a morte não vem e já não há árvore que preste, taca-se fogo, a cinza que sobra fertiliza – a terra vira capim para pasto ou, se não tiver morro, é boa para cereal, para arroz, para soja. Está no fim o ciclo econômico das madeireiras e no início o da nova febre: a soja, do PIB, da balança comercial, do Brasil que está crescendo. Quando a morte do homem não vem, quem morre é a mata.
Duzentas cruzes
Pedro Doria Dona Loredana: dolorosas memórias da colônia Loredana Balbinot tem 37 anos – mas antes precisa fazer a conta para lembrar. Usa seus cabelos negros bem curtos, tinha 13 anos quando chegou com a família a Guarantã. Prosperaram. Ela, que era a mais velha, hoje é dona da principal farmácia: a Farmácia Catarinense. Seus dois irmãos homens são fazendeiros, as irmãs formaram-se todas, uma é médica. Loredana recorda:
“A gente morava na divisa do Paraguai, em Mundo Novo, e o pai puxava tora, quer dizer, ele roubava madeira, né?, do Paraguai, só que as coisas estavam ficando difíceis e as freiras lá da pastoral fizeram um cadastro de 500 famílias para virem para cá, o governo deu a terra para as freiras, e o pai veio aqui em maio de 81. Em julho ele voltou para buscar a gente, a mãe e sete filhos.”
“Isso aqui tudo era mata. A gente fez uma casa de palmeira, tinha muita palmeira de palmito aqui, e, como era época de seca, a gente fez essa casa de palmeira, com chão de terra mesmo. Dormíamos na tarimba, que é uma esteira de palmito com palha e folha. Acho que a gente viveu uns seis meses assim, casa mesmo, mais direita, a gente só foi ter nuns três anos, quando o pai derrubou uns paus e melhorou a casa; com assoalho, demorou uns quatro anos.”
“Para comer a gente matava bicho do mato e plantava mandioca, milho, a gente já veio com as sementes. O feijão, o arroz, o óleo que a gente tinha trazido deu só pra uns vinte dias. Ia lá no vizinho para moer milho e dizia que era pro cachorro, que a gente tinha vergonha, mas era pra gente mesmo. Comia muito tatu e palmito, hoje não consigo nem ver palmito, tenho horror. De noite, aparecia onça pintada lá no barraco.”
“Então, teve um dia, acho que foi agosto, a gente chegou em julho e isso foi em agosto, a irmã Glícia foi perguntar pra mãe - o nome dela é Elita Camila, mas todo mundo chama a mãe de dona Carmen -, e a irmã Glícia disse ‘dona Carmen, a Loredana não quer trabalho?’, e eu fui lá prum hospital que tinha em Peixoto, ela levou umas oito meninas, e o médico topou comigo e disse ‘você tem cara de enfermeira’, acho que é porque eu era branquinha, que as outras eram moreninhas, porque ninguém tem cara de enfermeira, né?”
“Aí eu lembro que nunca tinha ganhado tanto dinheiro. Assim, eu tinha o costume, achei que fosse trabalhar de doméstica, e lá no sul, se eu ganhava um, aqui eu fui ganhar oito vezes isso. Lembro que, com o primeiro salário, comprei 12 latas de leite Ninho pra Fernanda, que é minha irmã. Ela nasceu em fevereiro; então, tinha o quê? Uns sete meses. Aí, com o segundo salário, foi uma porca, um saco de trigo, uns sessenta quilos, três galinhas e um galo, que também não adiantava ter galinha e não ter galo.”
“O pai derrubava mato pros outros, era disso que vivia. Aí, acho que foi no quinto ano da gente aqui, ele foi pro garimpo, mas antes ele construía escola pro Incra, era carpinteiro. Ele largou o garimpo rápido, montou uma serraria. Aqui não tinha médico, só ambulatório, e a nossa família deu sorte porque ninguém morreu de malária, mas acho que na nossa rua toda família perdeu alguém. Assim, das quinhentas famílias, depois duns três anos, acho que eram umas duzentas cruzes lá no cemitério. Até 93 ainda morria gente.”
“Mas o pai fez um dinheiro tanto que a nossa casa, era lá que tinha a primeira tevê, e isso deve ter demorado um tempão, era uma tevê preto e branco, a gente de noite tirava a bateria do caminhão e ligava nela, e vinha todo mundo ver televisão, mas às vezes as velhas queriam ver novela e o pai chegava bêbado e mandava todo mundo embora porque ele queria ver futebol. Mas não era bêbado que batia, não, ele ia dormir. Ele separou da mãe, faz o quê?, uns anos, só. Mas é engraçado que eles ainda moram um perto do outro.”
“No ano passado, teve aquele evento, um de slides, com as fotografias do início de Guarantã e a gente foi lá. Eu não sei, porque aquilo foi me dando um aperto, fui assim, me esquentando, abrindo a blusa, e não deu não, tive de sair.”
PARTE III: A POSSE
Em finais de 1991, um grupo de seis índios panarás retornou às terras que tinham deixado em 1975, pela primeira vez. O documentário norte-americano “Before Columbus” (“Antes de Colombo”) registrou a cena do encontro do chefe Akè Panará com um grupo de garimpeiros. Ele estava transtornado – seu discurso foi reproduzido no livro “Panará, a volta dos índios gigantes”.
“A gente ficava aqui, neste trabalho”, disse Akè, de borduna e cocar, “Eu estou vendo e não estou gostando nem um pouco. Esta terra aqui era nossa. E agora eles comeram. Agora está tudo feio. Eu estou triste de ver o que foi feito aqui, o que a mão do branco fez. O lugar onde eu nasci. Destruíram tudo. Isso aqui era parte da nossa terra. Aqui era uma terra boa. Eu não gosto do trabalho dos garimpeiros. Vocês mataram a floresta. O rio acabou. Acabaram os peixes. Aquilo que a gente viu, aquele lugar, do avião, vocês não vão para lá, não.”
Na viagem, Akè e os seus encontraram apenas um trecho da região onde viviam em que a mata ainda era considerável. Estavam preparando um projeto de reserva – queriam deixar o Xingu, voltar para casa. Mas o resto de sua casa, por toda parte, era barro enlameado de estrada, barro enlameado de garimpo, pasto de boi, plantação e até barro de nada, barro abandonado.
“Essa terra aqui, onde eu nasci, já foi. Lá, onde a gente viu, vocês não podem ir pra lá, não. Por que o chefe de vocês mandou vocês destruírem a nossa terra? O chefe de vocês tem que entender que vocês não podem ir pra nossa terra. Eu caçava aqui. Pescava aqui. Aqui era minha terra. Não é a terra de vocês. Se o chefe mandar branco pra lá, vocês acham que eu estarei de mão vazia? Não. Olha que eu estou aqui com a borduna. Eu não estarei desarmado se o chefe mandar vocês pra lá. Vocês comeram a terra aqui. Lá, eu vou estar com a borduna e nós vamos brigar. Olha esta terra, aqui. Eles comeram o lugar onde eu nasci. Tudo acabou. Eu vou explicar pro chefe dos brancos que vocês acabaram com tudo, com a floresta e com a água.”
Entre 1995 e 96, os panarás todos voltaram, uma nova casa demarcada entre os municípios de Guarantã do Norte e Altamira (PA). Em outubro de 1997, a Justiça deu ganho de causa aos índios panarás, num processo movido contra Funai e União para reparação de danos. Foi a primeira vez que um povo indígena venceu causa do tipo.
Jogo de máscaras
Geraldo Sehn tem 41 anos, 23 passados em Guarantã do Norte, última cidade antes do Pará na Amazônia mato-grossense. “Olha, nós viemos de 2.500 quilômetros para cá. Se quer nos tirar, vai ter de tirar no caixão. A gente não teve nenhum financiamento, abrimos isso aqui tudo no peito. Eu sou grileiro. O sujeito que vai hoje para o Pará e abre uma picada, é esse que quer terra mesmo, não são esses sem-terra aí. Porque ele vai lá, ele abre e planta. O fazendeiro, não, ele nem ocupa e já vai demarcando.”
Grileiro: o homem que chega numa terra aparentemente sem dono, desmata, ocupa, revende. Posseiro: faz o mesmo, mas planta ou põe gado – mora. Colono: chegou por convite ou imposição do governo federal. Fazendeiro: grande ou pequeno proprietário, não importa, produz em sua terra – que ganhou como colono, comprou de grileiro ou fez-se dono posseiro. Sem-terra: aquele que acampa na beira da estrada e vez por outra invade fazenda.
Na verdade, no fundo, nenhuma destas palavras parece importar muito. São usadas com flexibilidade, o grileiro confunde-se com o posseiro, com fazendeiro ou com o colono. Não raro, um lança olho interesseiro na terra do outro, na terra de ninguém. Ser grileiro, posseiro, fazendeiro ou colono é questão de momento da vida, não de fato consumado. E confundem-se todos até mesmo com os sem-terra, porque se é grileiro contratado por latifundiário para abrir picada num dia, feito o serviço, vai para a beira da estrada no outro erguer a bandeira do MST.
“Aqui em Guarantã, as coisas estão melhores, já não há tanta violência.” Geraldo Neves de Moura, 35, é presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, ligado à CUT e ao MST. “Já fui garimpeiro, desmatei irregularmente, hoje sou agricultor familiar. A gente já aprendeu a fazer as coisas, já sabe que não pode desmatar na beira de rio, já sabe como fazer a queimada só dum trecho sem comprometer a mata, a gente só faz queimada aqui depois do período seco, depois de duas chuvas. Mas, de vez em quando, ainda tem problema, ainda topa com pistoleiro. Lá em cima, no Pará, compara com Gaza. Não tem diferença.”
Em novembro último, justamente quando um grupo de técnicos chegaria para uma sindicância interna na sede do Ibama em Guarantã, as janelas laterais do prédio foram arrombadas, espalhou-se gasolina pelos arquivos. O incêndio lambeu tudo. As madeireiras acusam o órgão de corrupção, de que têm de dar dinheiro para conseguir licenças de venda mesmo quando legítimas. A investigação ainda corre na Polícia Federal.
Portarias e vacas leiteiras
Pedro Doria Vista aérea do que foi a Amazônia Dono de terra quase ninguém é – não com escritura lavrada em cartório e com selo da República. Na Amazônia, as terras todas são da União. Mesmo nos casos de colonos que tiveram suas terras submersas no Rio Grande do Sul, que foram indenizados com a promessa de 100 hectares no norte, título ninguém vê. E, sem título, não há como pegar empréstimo no banco. Como, sem título, ninguém tem qualquer segurança de propriedade, um pode invadir o que é do outro e, vez por outra, da briga sobram defuntos.
Alberto Cesário tem 65 anos. É o seu Betinho – fala mal: confunde concordâncias, troca o l pelo r, acusa o primário incompleto. Suas contas de cabeça têm velocidade atordoante, conhece profundamente legislação ambiental, burocracia sobre terras e seu negócio. Faz melhoramento genético em gado, vende embriões puros de origem, bicho premiado, tecnologia de ponta. É nervoso, talvez tímido – “às vezes pra falar dá uma tremedeira na barriga” – e preside o Comitê Pró Regularização Fundiária do Norte do Mato Grosso. Rapidamente explica que é coisa de fazendeiro, mas não tem nada a ver com a UDR – “a gente tem grande, mas também tem pequeno”.
“Sabe qual é o problema do título?”, seu Betinho pergunta para responder na seqüência. “Uma vaca boa produz 15 litros leite por dia, mas custa 1.500 reais cada. Uma vaquinha qualquer produz uns três litros. Se o sujeito compra cinco vacas boas e uma ordenhadeira mecânica, a filha dele, o filho, vão ajudar e ele vai produzir 75 litros por dia, vai vender o leite, vai fazer queijo, a gente tem uma muzzarela boa aqui, que vende no Rio, em São Paulo. Não é dessa muzzarela que esfarela, não. Mas, se ele só tem vaquinha fraca e não tem dinheiro para ordenhadeira, então ele não sai do lugar, fica sem dinheiro, o filho e a filha vão pra cidade, e na cidade vão ser o quê? Vão trabalhar em quê? Ela vai se prostituir, ele vai se meter com vagabundo. Sem título, não tem empréstimo, não tem vaca boa, o filho vai embora.”
É de Betinho uma das propostas que o governo mato-grossense fez ao Planalto, mas que não trouxe resposta. Em troca da regularização de suas propriedades, os fazendeiros deixariam 50% do total como reserva de mata virgem mais quaisquer nascentes ou caminhos de rio e, do que sobrasse, abririam mão de um percentual para assentamento de sem-terra. Em troca, teriam título. O MST gostou. Brasília diz que não pode.
Em fevereiro agora, os com-terra fecharam a Cuiabá-Santarém na altura de Guarantã do Norte para ver se recebiam uma resposta. Foram ignorados – estão pensando em fechar de novo. O problema é que, embora a Constituição de 1988 reconheça o direito às terras para quem já vive há muito num local, o mecanismo de repassar a posse ainda não foi regulamentado pelo Incra. Falta uma portaria. Ano passado, o próprio Incra ameaçou a retomada de quatro fazendas. Aí desistiram – se acontecer, ninguém diz com todas as palavras, mas terá sangue. Todo mundo sente a lâmina no pescoço.
Com o próprio punho
Pedro Doria Seu Betinho, ruralista: proposta agradou ao MST Há outra ameaça, vem do Pará. Poucos dias antes do assassinato da irmã Dorothy, o governador Simão Jatene enviou à Assembléia Legislativa um projeto-de-lei para o zoneamento do Estado. O Vale do Quinze, próximo a Guarantã, mas em terras paraenses, pode virar Área de Proteção Ambiental.
A região – 2,4 milhões de hectares – é disputada. Quem primeiro a descreveu foi o francês Henry Coudreau, em finais do século 19, no livro “Viagem ao Tapajós”. A partir deste trabalho, em 1919, o governo federal delimitou as divisas entre ambos os estados cruzando a Cachoeira de Sete Quedas, como sugerido por Coudreau e, depois, pelo Marechal Cândido Rondon. O traçado da fronteira foi concluído em 1952 pelo IBGE – mas o governo de Mato Grosso contesta. Os técnicos do IBGE, dizem, confundiram o Salto de Sete Quedas do decreto de 19 com uma quase homônima, a Cachoeira de Sete Quedas.
A causa está na Justiça Federal há anos. Se Mato Grosso vencer, a região do Araguaia, a Base Aérea do Cachimbo, um bom naco do sul paraense passa à sua responsabilidade. Por ali, há quem tenha título eleitoral de um estado e do outro. “Se tem coisa que a gente tem horror a ouvir é em APA” – diz um. E, perante a ameaça de ver suas terras transformadas em APA, os fazendeiros do Vale do Quinze preferem estar em Mato Grosso. Lá, o governador Blairo Maggi é produtor de grãos – uma espécie de herói local.
O argumento dos produtores é de que os ecologistas só pensam no macro, em grandes áreas de proteção, e não nas pessoas que vivem ali. “É a gente quem planta, que sustenta o Brasil, não são os engravatados.” Chamam as ONGs de máfia verde. Crêem que deviam, ao invés de ficar traçando APA que ninguém consegue fiscalizar, dedicar-se ao ensino do manejo sustentável da terra.
As famílias que migraram para Guarantã do Norte, Mato Grosso, ao longo da década de 1980 deixaram o próprio sangue na região – e sangraram a mata. Algumas prosperaram, outras não. Em uma das cooperativas, todo mundo tem o nome no Serasa. Há meninas bonitinhas que encaram os homens que passam, olhos nos olhos, e quem não conhece os códigos não entende de imediato que são prostitutas. Algumas com bem menos de 18 anos.
Mas se a impressão é de que nestes últimos anos perderam todos um quê de suas dignidades, isto não é verdade. Foi justamente o contrário. Quem está lá é porque sobreviveu, como diz um jornalista local, “com o próprio punho” – e é mais que um ato falho a troca de “mãos” da expressão pela palavra punho. Não há nenhum inocente – mas todos são vítimas das mudanças políticas, contradições, indecisão e mesmo ignorância do Governo Federal. Em todos, inclua-se na lista, também índios, também a Amazônia.
Epílogo
Para chegar a Guarantã do Norte é preciso pegar a BR toda vida, ou seguir de avião, um bimotor da empresa aérea local Cruiser. A passagem é cara, dá quase 900 reais o percurso de ida e volta, e a viagem longa, quase três horas, com escalas, uma para reabastecimento. De cima, indo ou voltando, a paisagem de todo Mato Grosso parece ser uma grande lavoura de soja. Às vezes, aqui e ali, os rios foram respeitados, há um braço verde para abraçá-los.
O aeroporto de Guarantã, onde táxis esperam os recém-chegados, fica ao lado dum pasto e, dele, de longe, mira-se uma linha verde de árvores. O avião atrasou quase uma hora na viagem de retorno – mas já estava aterrissando quando chegaram os índios, um senhor de bermuda e cocar e um casal de adolescentes. Todos com camadas de tártaro nos dentes que restavam. Quando Cláudio Villas Bôas os encontrou, há 33 anos, os panarás tinham dentes perfeitos, a mudança na dieta lhes foi desastrosa.
Perguntei ao senhor se poderia fotografá-lo, ele fez que não, mal-humorado. Então, o rapaz me procurou, falando português de estrangeiro que ainda não dominou a língua. “Você paga eu, fotografa ele.” O velho sorriu largo, esfregando polegar e indicador na minha direção. Sorri, agradeci, deixei passar a oportunidade.
(*) por Pedro Dória. AQUI
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[10:03]
Lula e a Amazônia: tudo errado (*)
23.02.2005 | Quis o destino que a chegada do Exército brasileiro ao Pará, em operação contra os conflitos agrários, ocorresse na mesma semana dos 60 anos da tomada de Monte Castelo. No Rio, para celebrar a vitória da FEB na Segunda Guerra, a batalha histórica da Itália foi encenada no meio da cidade – não por atores, mas pelos próprios militares. Na região de Anapu, onde a missionária Dorothy Stang foi assassinada, o desembarque dos soldados foi mais patético, porque ali o teatro era real. Num momento em que o Exército poderia ser bastante útil ao país, as cenas dessas pantomimas militares são o melhor símbolo da desorientação do governo sobre o que fazer com a Amazônia.
A comemoração dos 60 anos de Monte Castelo é um ato importante, sobretudo pela presença emocionante dos velhos ex-combatentes que ainda estão vivos e firmes. Mas a encenação montada para reproduzir a batalha, com uma tropa de verdade constrangida a rastejar no meio da rua e simular explosões de festim, fez soar o alarme do ridículo. Pelo simples fato de que logo ali, um pouco mais ao norte, existem quase 5 milhões de quilômetros quadrados de território brasileiro precisando de brasileiros que possam defendê-lo – a sério – da barbárie.
As cenas da chegada de pelotões do Exército a Anapu também deixaram claro, logo de cara, que aquela operação não era para valer. Soldados se atirando de um helicóptero e rastejando num campinho de futebol, em posição de ataque, como se estivessem em Monte Castelo a poucos metros das baterias alemãs. Puro show para as câmeras de TV. O alarme do ridículo já começa a ficar rouco.
A convocação do Exército pelo governo federal para a ocupação no Pará não é séria porque foi feita com embalagem de intervenção policial no conflito agrário. Sabe-se como termina esse tipo de ação, até pelas experiências nos casos de violência urbana: o Exército ajuda os governos a espalhar uma sensação de proteção e logo depois volta para o quartel, porque não pode se transformar em polícia do dia para a noite. Enquanto isso, continuam lá, de um lado, os quase 5 milhões de quilômetros quadrados ao Deus-dará, e de outro, o poderio das Forças Armadas totalmente ocioso – desde que as guerras e as conspirações saíram de moda.
Além da encenação com soldados bancando répteis em campinho de futebol, o governo adotou uma outra medida após o assassinato da missionária, esta no campo legal. Criou uma reserva ecológica de mais de 3 milhões de hectares, onde fica proibido tocar na floresta, e embargou o corte de árvores em mais 8 milhões de hectares, ao longo da BR-163. Na mesma canetada, criou mais alguns parques de menor porte. O que alguém precisava soprar ao presidente da República é que, neste Brasil grande, não faltam parques, reservas, nem unidades de conservação ecológica. Ao contrário: sobram, e ninguém sabe direito o que fazer com eles.
O Brasil é o país dos parques de papel. São exatamente como esses que Lula acaba de criar, que passam a existir a partir de uma canetada e de alguns gráficos em jornais, mas que ao nível do chão, ali no meio do cipoal, ninguém é capaz de ligar o nome à pessoa. No máximo consegue-se demarcá-los (em processos que levam anos), o que muitas vezes só serve para que ecologistas bissextos passem por ali e denunciem que a floresta continua sendo devastada, estuprada etc. etc. Mas agora é tudo “dentro do parque” – o que, sem dúvida, dá um sabor bem mais amargo à denúncia.
Se a resposta do governo ao assassinato da irmã Dorothy é essa nova safra de parques de papel, o crime terá compensado. O que a floresta amazônica precisaria, antes de mais nada, era de um zoneamento sério para suas atividades econômicas. É um trabalho difícil e minucioso, mas nada é fácil quando se trata de civilizar a Amazônia. Uma experiência desse tipo foi realizada em Rondônia no fim dos anos 80 e, mal ou bem, reduziu as taxas de destruição daquele que era o estado mais devastado da região.
De que adianta embargar os cortes de árvores em uma imensidão de 8 milhões de hectares (quase o tamanho de Portugal)? Por quanto tempo será possível manter essa tranca, e como fazer para resguardá-la? Quantos Ibamas seriam necessários para que, a cada naco gigante desses de floresta ameaçada, se resolvesse colocar todo mundo para correr (madeireiros, boiadeiros, índios, caboclos, até o mais miserável dos ribeirinhos)? A economia amazônica é um pouco mais complexa do que querem os burocratas. Sem um mínimo de planejamento territorial, numa terra onde o Estado leva uma vida para chegar, má fé e sobrevivência acabam misturando-se no mesmo e incontrolável faroeste.
Por ironia, o próprio Exército já iniciou vários projetos visando esse tipo de ordenação territorial-econômica-ecológica. Mas os governos sempre negam-lhe o dinheiro suficiente – que nem é tanto assim. Seria uma das missões mais nobres dos militares na história brasileira: ajudar a ordenar a ocupação da Amazônia e ir a campo zelar por ela. Não como polícia para caçar pistoleiro, mas como avalista da ocupação civilizada da metade mais problemática (e potencialmente mais rica) do território nacional.
Ao que tudo indica, porém, o governo prefere mesmo o Exército como protagonista de videoclipe na selva.
(*) Por Guilherme Fiuza
Para ler AQUI
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[02:25]
POPE WAVES FROM HOSPITAL
28.2.2005. 09:53:06
Pope John Paul II has made a surprise appearance at his hospital window, his first since undergoing throat surgery last week, waving to crowds and making the sign of the cross.
Leio na SBS - The World News
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[02:17]
Young Prosecutor Roils Brazil with Gay Marriage Case
Sun Feb 27, 2005 02:17 PM ET
By Terry Wade
TAUBATE, Brazil (Reuters) - Assigned by the Brazilian government to a backwater factory town, 27-year-old prosecutor Joao Gilberto Goncalves has turned the obscure post into anything but, using it to mount the country's first serious effort to legalize gay marriage.
Continua AQUI
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[02:04]
Police re-enact murder of American nun Friday, February 25, 2005 Posted: 1656 GMT (0056 HKT)
RIO DE JANEIRO, Brazil (AP) -- With the help of two murder suspects and a witness, police re-enacted the killing of Dorothy Stang, a 73-year-old American nun authorities believe was shot because of her work defending rain forest communities.
The group gathered Thursday at the crime scene on a muddy jungle road to show what happened February 12, when Stang was shot six times. Para state police said the three versions, re-enacted separately, were consistent with each other.
"There was no discrepancy," police inspector Walame Machado said in a televised interview after the re-enactment. "This helps to clear things up."
The witness said the gunmen exchanged words with Stang, who read two verses of the Bible to them before she was shot.
According to the suspects' accounts, Stang tried to protect herself with her shoulder bag and a bible when she was gunned down.
"It was barbarous. She was shot at point-blank range," said Joaquim Araujo, a legal expert who watched the re-enactment.
A third suspect, charged with hiring the gunmen, was not asked to re-enact events because he was not present when Stang was shot. Police are still searching for rancher Vitalmiro Moura, who is accused of ordering the killing.
Stang spent the last 23 years of her life working with poor rain forest communities around Anapu, a small town on the Trans-Amazon highway about 1,300 miles (2,100 kilometers) northwest of Rio de Janeiro.
Police believe she was killed in a dispute over a pristine stretch of rain forest that she wanted to protect for poor settlers. Moura wanted to clear the trees on the land to make a pasture.
Stang's killing focused international attention on the violent state of Para, where jungle devastation and violence are common.
The Catholic Church's Pastoral Land Commission estimates that Para was the site of nearly half the 1,237 land-related killings carried in Brazil over the past 30 years.
Environmentalists say the Amazon loses 9,170 square miles (23,473 square kilometers) of forest every year, and that about 20 percent of the 1.6 million square miles (4.14 million square kilometers) of wilderness has already been cut down.
Leio AQUI
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[01:59]
FT.com / Home UK - Latin America Agenda
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[01:50]
Amnesty founder dies 27/02/2005 13:48 - (SA)
London - Peter Benenson, who founded Amnesty International more than four decades ago, has died, the human rights organisation said Saturday. He was 83.
Benenson had been ill for several years, and he died on Friday night at John Radcliffe Hospital in Oxford from pneumonia, Amnesty spokesperson Brendan Paddy said.
Benenson, who was educated in some of Britain's top schools, began his own human rights campaigns as a boy in support of Spanish civil war orphans and Jews fleeing Hitler's Germany.
In 1961, at the age of 40, he set up Amnesty after reading an article about the arrest and imprisonment of two students in a cafe in Lisbon, Portugal, who had drunk a toast to liberty.
He initially envisioned Amnesty as a one-year campaign, but it went on to become the world's largest independent human rights organizations. Currently, Amnesty, which is based in London, has more than 1.8 million members and supporters worldwide.
It considers itself a citizens' movement to expose and confront government injustice.
'Better light a candle'
"Once the concentration camps and the hell holes of the world were in darkness. Now they are lit by the light of the Amnesty candle; the candle in barbed wire. When I first lit the Amnesty candle, I had in mind the old Chinese proverb: 'Better light a candle than curse the darkness'," Benenson once said.
Irene Khan, Amnesty's secretary-general, praised him on Saturday, saying his "life was a courageous testament to his visionary commitment to fight injustice around the world. He brought light into the darkness of prisons, the horror of torture chambers and tragedy of death camps around the world."
She said: "This was a man whose conscience shone in a cruel and terrifying world, who believed in the power of ordinary people to bring about extraordinary change and, by creating Amnesty International, he gave each of us the opportunity to make a difference."
Born on July 31, 1921, Benenson was the grandson of Grigori Benenson, a Russian-Jewish banker, and the son of Flora Solomon, who raised him alone after the death of her husband, British Army Colonel John Solomon.
'Revolutionary tendencies'
After being tutored privately by poet WH Auden, Benenson went to Eton and Oxford University, where he studied history.
At Eton, a prestigious prep school, Benenson showed early signs of a flair for controversy by complaining to the headmaster about the poor quality of the food there. That prompted a letter to his mother warning of her son's "revolutionary tendencies".
At age 16, he launched his first campaign: to win school support during the Spanish Civil War for the newly formed Spanish Relief Committee, which was helping Republican war orphans.
Benenson then helped Jews who had fled Hitler's Germany. Despite some opposition, he succeeded in getting his school friends and their families to raise the money needed to bring two young German Jews to Britain.
After leaving Eton, he helped his mother find homes for refugee children who had arrived in London.
Efforts in South Africa
Following his graduation from Oxford, Benenson joined the British Army, where he worked in the Ministry of Information press office. After World War II, he studied law as a soldier, then left the military to become a practicing lawyer.
In the 1950s, his human rights activism included efforts in Fascist Spain, British-ruled Cyprus, Hungary and South Africa.
Benenson stepped down as Amnesty's leader in the mid-1960s after an independent investigation did not support his claim that Amnesty was being infiltrated by British intelligence.
However, Benenson maintained an active interest in Amnesty.
He is survived by his wife, Susan Benenson, their son and daughter, and two daughters from a previous marriage.
Amnesty planned to hold a public memorial service for him, but the time and location were still being discussed.
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terça-feira, fevereiro 15, 2005
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[07:59]
WALDEMAR HENRIQUE: A tradução musical das grandes águas (*) É atribuída a Jaime Ovale, poeta e músico, frasista invejado do qual todo cronista de meados do século passado – ele morreu em 1955 - tinha uma história para contar, a invenção do Exército do Pará, formado pelos provincianos de todos os estados que vinham triunfar na então capital federal. Entre os combatentes puros-sangues dessa tropa, isto é, nascidos paraenses, como o próprio Ovale, dificilmente outro terá atingido a culminância artística consagrada a Waldemar Henrique, compositor e pianista que faria 100 anos nesta terça-feira, 15 de fevereiro, criador amazônico no conteúdo e na dimensão. Sua obra é a mais completa e a mais popular tradução musical das lendas indígenas, dos mistérios da floresta e das grandes águas. E nas escalas da sua hipotética viagem de ita, Waldemar Henrique transpôs talento para musicar poemas nordestinos, de Ascenso Ferreira e Jorge de Lima, entre outros, e cenas dos rituais negros baianos, como as do “Abaluaiê” , que anos mais tarde pareceria haver sido feito para tão bem integrar-se à voz poderosa de Clementina de Jesus. Neto de portugueses, Waldemar Henrique da Costa Pereira passou parte da infância no Porto. De volta, viajou uma pré-adolescência de rios e ilhas, Amazonas arriba, Tocantins inteiro e Marajó, onde a família tinha casa. “Nessas andanças, impregnei-me de folclore e cantigas”, disse. Começou a compor aí: teria 14 anos quando fez o rascunho da peça que algumas dezenas de anos depois o pianista Arnaldo Rebello poria em disco com o título de “Valsinha de Marajó”. Compunha com o que o escritor Antônio Tavernard, talvez o seu mais constante letrista, chamou de “inaudita facilidade”: “Tenho mesmo a impressão de que lhe basta correr os olhos pelo teclado para que o motivo procurado cresça e se desenvolva, espontâneo, justo, tradução em sons do seu pensamento”. Veio para o Rio em novembro de 1933. Crestado por longas jornadas de estudo, de prática e criação, chocou-o de início, no ambiente artístico metropolitano que tanto idealizara, o fato de que muitos dos compositores populares mais famosos não sabiam escrever, sequer ler, música. Socorreu alguns deles nessa falta de conhecimento musical, como conta o biógrafo Claver Filho (“Waldemar Henrique, o canto da Amazônia”, Funarte, 1978). Já trazia no matulão de partituras, ainda desconhecidas nacionalmente, algumas das canções que logo o inscreveriam no primeiro escalão, títulos como “Foi boto, sinhá!”, “Matintaperera” e “Minha terra”. No ano seguinte, destacou-se na produção de amplitude crescente – batuques, carimbós, cocos, lundus, acalantos, uma gama de gêneros exercitada com escoramento na inspiração folclórica – o “Tamba-tajá”, provavelmente sua composição mais difundida, apresentada às gerações mais recentes pela cantora Fafá de Belém. Faz parte do segmento da obra de Waldemar catalogado pelos especialistas como o das lendas amazônicas (há o das cenas regionais, o das danças dramáticas e outros): tamba-tajá, no fabulário indígena, é a planta que fortalece os laços do amor. Paschoal Carlos Magno definiu a canção como uma das mais ternas do mundo. Citado tanto em dicionários do que se chama grande música, nesses casos com preconceituosa timidez, como em antologias da canção popular, aqui fartamente reproduzido, Waldemar Henrique se dizia, em tom de brincadeira, “do concerto e dos cassinos”, referência ao muito que se apresentou nas casas de jogo, palco dos principais cartazes musicais nos anos 30 e 40. Mas atuou sobretudo no rádio, o grande veículo de sua época, no teatro, e em excursões, por todo o país e pelo exterior, Uruguai, Argentina, Paraguai, Portugal, Espanha e França. Ficou amigo de Villa-Lobos (mas achava que o maestro criara musicalmente uma Amazônia utópica, especial) e de Barroso Neto, de quem foi, aliás, o último aluno. E também, na outra ponta do arco musical, de Francisco Alves e Carmen Miranda. Curiosamente, Carmen não gravou música sua – e de Chico há apenas uma das gravações de “Minha terra”, feita em 1946. O intérprete mais entranhado na obra de Waldemar Henrique terá sido o duo que ele, ao piano, formou com a voz de sua irmã, por parte de pai, Mara Henrique. Ela renunciou definitivamente à vida artística em 1951 (morreu em 1975, no Rio), depois de haver consolidado, em milhares de recitais por toda parte, grotões brasileiros e capitais européias, a propagação da música misteriosa do irmão. Foi a maior intérprete dele, afirma Claver Filho, “inigualável”, segundo Mariza Lira. Há escassos registros da dupla em disco, entre eles de “Abaluaiê” e do maracatu “Hei de seguir teus passos”. O primeiro a gravar Waldemar Henrique, a canção “Cabocla malvada”, em 1934, foi Gastão Formenti. Importante divulgador das músicas do compositor, coube a ele também lançar em disco duas das mais representativas, a toada “Foi boto, sinhá!” e o batuque “Boi-bumbá”. Cantor e pintor de grande prestígio, Gastão Formenti acabou, na década de 40, por optar pela pintura. Morreu em 1974. Waldemar Henrique está ao piano em parte substancial de sua discografia, acompanhando por exemplo o cantor Jorge Fernandes ou as cantoras Maria D’Aparecida e Maria Helena Coelho Cardoso. Provavelmente o intérprete que mais gravou o autor, e o primeiro, no Brasil, a fazê-lo em LP, em 1956, Jorge Fernandes, morto em 1989, foi o criador, em disco, entre várias, da canção preferida de Waldemar, “Essa negra Fulô”, realizada sobre o poema de Jorge de Lima, com aproveitamento da totalidade dos versos. As gravações com Maria D’Aparecida foram feitas em Paris, em 1955. O repertório de Waldemar Henrique abriu à intérprete, até então mais conhecida como “rainha das mulatas”, troféu de predicados plásticos conquistado em concurso no Rio em 1948, as portas de uma bem-sucedida carreira de cantora lírica na Europa. Com Maria Helena, o compositor gravou pela primeira vez, já em 1976, a canção marajoara “Morena”, de 1935. Essa peça belíssima, de instantâneo poder de sedução, ganharia em seguida, ainda em 1976, uma versão primorosa do notável baixo pernambucano José Tobias, apoiada em arranjo refinado de Radamés Gnattali. É uma das oito faixas, divididas entre Tobias e a cantora Jane Vaquer, todas orquestradas por Radamés, dedicadas a Waldemar Henrique na coletânea “Música Popular do Norte”, arremate do mapeamento musical do Brasil que uma gravadora de intenções culturais, a extinta Discos Marcus Pereira, empreendia desde 1973. As sete canções editadas da série das lendas amazônicas – “Cobra grande”, “Curupira”, “Foi boto, sinhá!”, “Manha-nungara”, “Matintaperera”, “Uirapuru” e “Tamba-tajá” – foram reunidas em 1969 na voz eloqüente da soprano Maria Lúcia Godoy, com arranjos adequados de Guerra Peixe. O compositor tinha grande carinho por essas interpretações. De resto, reservava sempre algum louvor aos que transmitiram a sua arte, uma lista que se diversifica do barítono Ataíde Beck aos carnavalescos Vocalistas Tropicais e inclui estrelas como Marlene e Inezita Barroso. De bem com os intérpretes, Waldemar Henrique amargurava-se com os direitos autorais. Considerava-se “espoliado, e não editado”. De gravações, só recebia regularmente o que vinha do exterior (em plena Guerra Fria, não se sabia onde era mais gravado, se nos Estados Unidos ou na União Soviética). De tanto contrariar-se com esses maus-tratos, resolveu parar de editar. Já voltara ao Pará (fez a marcha-regresso em 1966, depois de mais de 30 anos de cidadania carioca), onde morreria em março de 1995, confortado pelo reconhecimento dos conterrâneos: diretor do Teatro da Paz, membro do Conselho Estadual de Cultura e da Academia de Letras do estado. Não deixara de compor. É provável que haja um acervo inédito a vir à tona um dia. Novas lendas da mata suntuária e das águas portentosas, tudo isso que faz a música de Waldemar Henrique ser confundida às vezes com o mais puro folclore. E essa é certamente a maior homenagem que se presta a ele. (*) por Moacyr Andrade. AQUI
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por Ana M.C_Portugal
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segunda-feira, fevereiro 14, 2005
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[08:12]
Pistoleiros assassinam irmã Dorothy Stang:A freira de 73 anos, líder dos movimentos sociais na luta contra o crime organizado em Anapu (sul-sudeste do Pará), estava ameaçada há vários anos. CHEGA DE SANGUE E IMPUNIDADE NA AMAZÔNIA (*) No último sábado, dia 12/2, a Irmã Dorothy, missionária americana naturalizada brasileira, foi cruelmente assassinada no Pará. O motivo? Defender a Amazônia e seus habitantes da ação destruidora de madeireiros. Irmã Dorothy dedicou quase metade de seus 74 anos para dar voz às comunidades rurais, defendendo o direito à terra e lutando por um modelo de desenvolvimento sem destruição da floresta. Lutava para que o Estado se fizesse presente na Amazônia, denunciando inclusive o envolvimento de policiais com fazendeiros e grileiros da região. Foi ameaçada de morte inúmeras vezes. Quantos mais terão que morrer para que medidas eficazes sejam tomadas para proteger a Amazônia e suas comunidades? Por quanto tempo ainda haverá violência causada por grilagem de terras públicas e exploração ilegal de madeira? Já faz mais de 16 anos que perdemos Chico Mendes, muitas vidas se foram em todos esses anos e a violência continua... PROTESTE AGORA! Acesse: AQUI. Vamos exigir do governo medidas concretas para das um basta a essa violência e garantir um futuro sustentável e seguro para a floresta amazônica e seus habitantes! (*) por Greenpeace
Basta de sangue no chão da floresta! (*) São Paulo, 14 de fevereiro de 2005 No último dia 12 de fevereiro, a Irmã Dorothy Stang foi cruelmente assassinada no Pará. Missionária americana naturalizada brasileira, ela vivia há mais de 30 anos na região da Transamazônica e dedicou quase metade de sua vida para dar voz às comunidades rurais, defendendo o direito à terra e lutando por um modelo de desenvolvimento sem destruição da floresta. Há alguns anos, o Greenpeace tem denunciado a violência, os desmatamentos ilegais, a exploração de madeira, a grilagem de terras, o trabalho escravo e o desrespeito aos direitos humanos, como mostra nosso relatório “Pará: Estado de Conflito”, lançado em outubro de 2003. O Pará apresenta o maior índice de assassinatos ligados às disputas de terra. Entre 1985 e 2001, quase 40% das 1237 mortes de trabalhadores rurais no Brasil aconteceram neste Estado. Nossa preocupação e obrigação, a partir desse momento, é impedir que as autoridades tratem essa morte como mais um caso de violência local, encontrem os pistoleiros e mandantes e dêem o caso por encerrado. É fundamental que o governo brasileiro implemente medidas concretas que acabem com as causas motivadoras de toda essa violência. Assim, solicitamos mais uma vez seu apoio e participação. Preencha os dados AQUI e envie já sua mensagem para o governo federal e o governo do Estado do Pará. Obrigado!
(*) por Frank Guggenhein
Morte de missionária americana choca entidades de Direitos Humanos em todo o mundo14/2/2005 - AMS BELÉM - A missionária americana Dorothy Mae Stang foi assassinada na manhã de sábado, 12/2, numa localidade a 40 quilômetros do município de Anapu, oeste do Pará. A irmã trabalhava há 20 anos na área, onde predominam conflitos de terra, por intensa atividade de grileiros, ajudando agricultores rurais. A missionária de 73 anos fazia parte da congregação Notre Dame. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, a irmã foi assassinada com 3 tiros, por dois pistoleiros, por volta das 9h da manhã, quando caminhava com dois trabalhadores rurais para uma reunião no Projeto de Desenvolvimento Sustentável – PDS – Esperança. Um agricultor que estava com a missionária conseguiu fugir. Dorothy vinha enfrentando ameaças de mortes por fazendeiros da região, desde que começou um trabalho de apoio aos trabalhadores rurais, em 1997, que pretendiam projetos de assentamento adequados a conservação da Amazônia, os conhecidos PSD. Ao saber da morte da irmã, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que participava de uma audiência Pública no município de Porto de Moz, no baixo Amazonas, se deslocou imediatamente para Anapu. A morte de Dorothy Stang chocou entidades de Direitos Humanos no mundo todo. Uma equipe de agentes da Divisão de Operações Especiais da Polícia Civil seguiu de avião para o município de Anapu. São policiais e peritos do Instituto de Criminalística, que vão ajudar a equipe da polícia de Anapu, que já começou as investigações na localidade. A Sociedade Paraense de Direitos Humanos, acionou o advogado da SDDH de Marabá, que também se desloca para Anapu, para acompanhar as investigações. O SDDH também entrou em contato com o Ministério da Justiça. Entidades ligadas à questão agrária se organizam para fazer um protesto. (*) in Notícias da Amazônia. AQUI
Globo Online Juiz decreta prisão de 4 acusados do assassinato de freira americana no Pará 14/02/2005 - 19h12m
BELÉM, BRASÍLIA e RIO - Quatro pessoas estão com a prisão decretada pela morte da missionária americana naturalizada brasileira Dorothy Stang, no Pará: José Maria Pereira e Uquelano Pinto, que seriam os pistoleiros; Amauri Cunha, o intermediário; e Vitalmiro de Moura, que seria o mandante do crime.
O ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, acompanhou nesta segunda-feira a chegada em Anapu (PA) do corpo da missionária de 74 anos, assassinada no último sábado no assentamento Esperança, em Anapu, a 600 quilômetros de Belém. Nilmário participou do cortejo que levou o corpo até a igreja Imaculada da Conceição, onde uma multidão aguardava para o velório da Irmã Dorothy. O corpo será enterrado nesta terça-feira.
O ministro viajou para Anapu acompanhado do superintendente da Polícia Federal no Pará, José Sales; do delegado da PF em Brasília, Valdinho Caetano, e do funcionário do Ibama, Paulo Maia. Em Anapu, eles se reuniram com lideranças locais, integrantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e com a esposa e dois filhos do colono assassinado.
Nilmário também acompanhou a apuração da morte de Adalberto Xavier Leal, colono encontrado morto na madrugada de domingo. De acordo com o ministro, com base nas informações obtidas, está quase descartada a hipótese de que a morte do colono seja uma represália à morte da freira. Adalberto Leal, que trabalhava para o suspeito de ser o mandante do crime, foi morto em casa. A polícia trabalha com a hipótese de a morte ser um acerto de contas entre eles, e não um ato de vingança pela morte da freira.
O juiz substituto da Comarca de Pacajá, no Pará, Lauro Alexandrino Santos, decretou a prisão preventiva de quatro suspeitos de envolvimento na morte da freira. A prisão foi pedida pelo delegado de Anapu, Marcelo Ferreira de Souza Luz, que está à frente do inquérito policial que investiga o crime.
No despacho, o juiz concluiu que "está confirmada a participação dos indiciados". Os suspeitos teriam sido vistos por três testemunhas. A principal é o agricultor que estava com Dorothy e que fugiu para a mata após os tiros.
Segundo uma testemunha, a freira americana chegou a ler trechos da Bíblia para os pistoleiros que a assassinaram. Um agricultor que estava com a religiosa no momento do assassinato disse - em entrevista ao "Fantástico", da TV Globo - que os bandidos teriam rendido Dorothy e perguntado se ela tinha alguma arma. A testemunha, que não quis ser identificada, contou que a freira disse que a única arma que trazia era a Bíblia, tirando, em seguida, o livro da bolsa e lendo trechos para os assassinos. Após escutarem a leitura, a testemunha disse que os bandidos começaram e atirar em Dorothy.
Os agricultores que estavam com a freira fugiram correndo pela mata. Segundo o Instituto Médico-Legal de Belém, que examinou o corpo, Dorothy foi atingida por seis tiros.
A freira trabalhava há mais de 30 anos na região Amazônica defendendo trabalhadores rurais e lutando por seu assentamendo em terras tomadas por madeireiras. Nos últimos meses, lutava para expulsar grileiros de um lote incluído no projeto de assentamento rural de Anapu.
Na semana passada, ela teve uma reunião com o secretário Nilmário Miranda. No encontro, a missionária denunciou que quatro pessoas da região estavam recebendo ameaças de morte. A freira pertencia à ordem das Irmãs de Notre Dame de Namur, um grupo de mais de duas mil mulheres que trabalham em cinco continentes.
Em entrevista gravada no ano passado e mostrada pela TV Globo, Dorothy dizia não acreditar que as ameaças de morte que vinha sofrendo fossem reais.
A irmã da freira, Margareth, que vive em Fairfax, no estado de Virgínia, nos Estados Unidos, disse que a maior homenagem que o governo brasileiro pode fazer a Dorothy é realizar uma investigação séria para punir os responsáveis pelo assassinato.
TELEGRAPH NETWORK:Land reform nun is shot dead in jungle (*) (Filed: 14/02/2005) Brazilian police launched a manhunt yesterday for two men they believe shot and killed an elderly American nun whose support for environmental causes and human rights provoked controversy in a remote jungle region of Amazonia. Dorothy Stang, a 74-year-old nun who lived in Brazil for almost 30 years, was shot dead on Saturday morning near Anapu, a small town in Para state. She was on her way to a meeting with local activists about land reform when two gunmen approached her and shot her three times in the face, police said. One of Brazil's most respected ministers said she believed that gunmen wanted to silence Sister Dorothy because she refused to stop speaking out against the powerful loggers and ranchers who have carved up large parts of the Amazon into their personal fiefdoms. The environment minister, Marina Silva, went to the region to oversee the investigation in person and said she would do her utmost to find the killers. "Brazil is going to ensure justice is done here so that intimidation does not impede land reform or the battle against illegal logging," she said By Andrew Downie in Rio de Janeiro. AQUI
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por Ana M.C_Portugal
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domingo, fevereiro 13, 2005
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[09:21]
CHICO BUARQUE E A MPB
Os bêbados zonzos, dançando trôpegos no meio da rua; os malandros, pobres acabrunhados; os meninos lépidos e tristes, são paisagens da música de Chico, mas são, antes, momentos dos olhos de Chico. Cenas que começaram, desde cedo, a ser impressas em sua alma. Afinal, alguns artistas têm alma branca como papel e nela se pode imprimir quase tudo. Chico sempre foi da classe média carioca, paulista e, depois, carioca de novo. Suas paisagens são as mesmas de todos nós. Sua música brotou do meio da rua e do meio do povo. As imagens sempre estiveram aí, estampadas na cara do Brasil e alguém, como Francisco, como Chico, saiu a recolhê-las.Trôpego, como todos nós, emocionado, como todos nós, um pouco triste, muito poeta, brasileiro, com todos nós.
No final dos anos 50, havia um ouvido popular que fechava os anos dourados ao som de Frank Sinatra, Bing Crosby e Nat King Cole. Havia também aqueles mais moderninhos que curtiam Elvis Presley e The Platters. Chico estava entre eles, sem abandonar antigos sucessos de velhos sambistas como Noel Rosa, Ataulfo Alves e Ismael Silva. Mas, para o ouvido de Chico, o rock que nascia pareceu velho quando ele ouviu a voz e a bossa nova de João Gilberto na composição de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Chico Buarque não sabia, mas aquela música influenciaria os rumos de sua futura vida artística. Aquela música misturava o molejo do morro e uma certa sofisticação do jazz. Era a contribuição brasileira para a modernidade da música. Era a criatividade do Brasil mostrando novos caminhos. Era Chico ouvindo até vinte vezes por dia Chega de Saudade na casa da rua Buri. Era o Brasil de Juscelino Kubistchek, de Brasília, de Oscar Niemeyer, da delicadeza do homem cordial. E foi essa mistura que lhe aguçou a vista e lhe abriu a alma. Foi essa mistura que o foi transformando no Chico brasileiro, capaz de reunir a poesia ao futebol, a feijoada à música, a solidariedade ao bom humor. Assim, 1965 viu nascerem os sessenta versos de Pedro Pedreiro. O estudante de arquitetura da FAU já tinha algum prestígio no mundo da música de São Paulo. Ele gravara seu primeiro compacto com Pedro Pedreiro. Os sambas tocados no Juão Sebastião Bar, no Quitanda e no Sambafo já haviam Ihe garantido participação na efervescência musical daquela geração. Assim, também em 1965, Chico era convidado por Roberto Freire, diretor do TUCA, a musicar Morte e Vida Severina, de João Cabral de Mello Neto. Era a segunda encomenda que Chico recebia e, como em todas as outras que viriam depois, deixou tudo para a última hora. Na Véspera do dia da entrega das músicas de Morte e Vida Severina, ele se trancou numa sala da casa da rua Buri para realizar, nervoso, o trabalho. Apesar de o Brasil já estar sob as botas da ditadura, a televisão era ainda incipiente e a juventude da época respirava música brasileira, teatro brasileiro, literatura brasileira e cinema brasileiro. Morte e Vida foi um sucesso. Foi excursionar na Europa, onde ganhou o festival de teatro universitário de Nancy, na França. O cenário intelectual e artístico brasileiro - especialmente na música - rumava para uma fase de grande criatividade e qualidade, uma fase que acabou tendo como símbolo os festivais de música. Carlos Drummond de Andrade disse, em 1966, que o Brasil andava precisando de amor e que era isso que a marchinha, "tão antiga em sua tradição lírica", nos havia dado. O poeta falava de A Banda, que acabava de ser uma das ganhadoras do II Festival de Música Popular Brasileira da TV Record. No mesmo ano de 66, Chico gravava seu primeiro LP e se tornava uma celebridade em várias partes do país e no exterior. Mas o regime endurecia e esse endurecimento forçava aqueles que participavam do mundo da produção cultural a tomar posições. Em 67, as ruas brasileiras começavam a sentir melhor o estremecimento provocado pelos tanques e pelas botinas dos militares no poder. Por outro lado, a oposição amordaçada se dividia. A esquerda começava a se fragmentar em posições radicais e em posições que ainda acreditavam numa negociação. Assim acontecia também com a música. Caetano Veloso e Gilberto Gil encabeçavam o Tropicalismo que, segundo o próprio Caetano, queria fazer uma exploração estética também do que é feio, enquanto o Chico preferiu ficar com o que é bonito. Num país que ainda não havia entrado de vez na era da televisão, a música mostrava-se o catalisador do pensamento nacional. Em 1968 a peça Roda Viva começou a ser encenada. Teve vida curta. O recrudescimento do regime e as organizações de direita se encarregariam de tirá-la dos palcos. Em São Paulo, a Universidade Mackenzie, na rua Maria Antônia,em frente à USP era um dos centros do temido CCC - Comando de Caça aos Comunistas. Uma organização que recrutava seus membros entre os jovens menos politizados (e geralmente mais ricos) e organizava ações violentas contra quem eles chamavam de comunistas ou inimigos do regime. Um desses alvos foi a peça de Chico. No dia 17 de julho, um dos grupos do CCC invadiu o Teatro Galpão, em São Paulo. Os cenários foram destruídos e os atores espancados. A medida que o regime dos generais endurecia, seus seguidores iam mostrando as unhas. Do outro lado, a oposição cavava subterrâneos, nos quais muitos se perderiam na clandestinidade imposta pelo AI-5, de 13 de dezembro de 1968. Era o início de um longo processo que culminaria, muitos anos depois, num ouvido popular diferente. A música de Chico, de Tom Jobim, de Vinicius e Toquinho, de Edu Lobo, de Carlos Lyra, de Caetano Veloso, de Gilberto Gil começava, lentamente, a escapar do popular.A música de Chico continuaria a ter como paisagem o bêbado, o malandro, o pivete, a prostituta, o que se alimenta de luz, mas os ouvidos desses mesmos personagens começavam, lentamente, a deixar de ouvir. A essas alturas, o Brasil delicado, do final dos anos 50 e do começo dos anos 60, começava a deixar de existir. Antes mesmo do AI-5, a música de Chico não conseguia escapar do rótulo de alienada. Em julho de 68, Bom Tempo ficou em segundo lugar na Bienal do Samba, que foi vencida por Baden Powell, com Lapinha. Bom Tempo foi vaiada e criticada, pois falava de dias claros quando o horizonte brasileiro se escurecia. Em setembro foi pior. Na final do Festival Internacional da Canção, se enfrentaram Sabiá, de Chico e Tom, e Prá não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré. A música de Chico e Tom recebeu a maior vaia da história dos festivais, mas ainda assim foi escolhida vencedora. Naquele momento, a música de Vandré já se tornara hino da oposição e Sabiá parecia uma música mais de nostalgia, saudosista. O tempo, no entanto, mostrou que Tom e Chico haviam sido premonitórios. Poucos anos mais tarde, a saudade e as imagens de casa de Sabiá eram o hino do exílio a que foram obrigados inúmeros brasileiros, Chico inclusive. Quando o AI-5 ganhou as ruas, o povo perdeu a praça. Para Chico foram cinco dias de angústia. Até que no dia 18 de dezembro ele acordou com os militares já forçando a porta de seu apartamento. No dia 3 de janeiro de 1969, ele e Marieta embarcavam para Cannes, na França, onde aconteceria o Midem, a grande feira da indústria fonográfica. De lá, os dois seguiram para a Itália, onde Chico era aguardado com grande ansiedade. A gravadora tinha uma estratégia para colocá-lo no circuito internacional. Uma estratégia que acabou naufragando. Chico gravou um disco, misturando faixas de seus dois LP's brasileiros, que não deu em nada. Mas, ainda assim, não faltavam convites para aparições na TV e Chico chegou a ter um programa de rádio. Porém, sua popularidade caiu rapidamente. A novidade de um cantor brasileiro já não chamava a atenção e o trabalho foi se tornando escasso. Por outro lado, a mão de ferro da ditadura impedia sua volta ao Brasil. Antes mesmo de sua viagem, no dia 27 de dezembro de 68, Caetano e Gil haviam sido presos. E até aquele momento, já no final de janeiro, continuavam detidos, com as cabeças raspadas. O jeito foi ficar. A primeira filha do casal, Sílvia, acabou nascendo em solo italiano, em 28 de março de 69. Havia a impossibilidade de voltar ao Brasil. Mas havia, também, a vontade de voltar ao Brasil. E ele acabou retornando, no início de 1970. Não sem antes ouvir o conselho de Vinicius: volte fazendo barulho. O aeroporto do Galeão presenciou a chegada de Marieta, Sílvia e Chico, que regressava ao país a bordo de um grande esquema de divulgação, com especial na TV Globo e apresentação na boate Sucata, além do lançamento de um novo LP o Chico Buarque n° 4. Mas, o Brasil que recebeu Chico já não era o mesmo que o vira sair.No poder, a ditadura impunha seu general mais duro, Emílio Garrastazu Médici. Nos quartéis, a tortura aumentava em ritmo e requintes. Nas ruas, uma mistura de pão e circo levava os brasileiros a andarem em fusquinhas com adesivos "Ame-o ou deixe-o", festejando o milagre brasileiro. Na produção cultural, estava instituída a censura prévia. E a música de Chico Apesar de você passou pela censura. Em 1971, foi lançada Construção. Chico dava tons concretos à realidade dura dos brasileiros das classes mais populares. Construção deveria incomodar a censura, mas passou. A história do brasileiro trabalhador, flagrado em sua pequenez, flagrado em seu sufoco diante das grandes estruturas de poder que se formavam no começo dos anos 70, flagrado em sua impossibilidade de ação. Chico mostrava os tons cinza e negro do pão e circo.Sem querer, Chico se transformava no símbolo de luta contra a ditadura, título que lhe dificultou muito a vida em relação aos censores. Suas músicas passaram a ser sistematicamente proibidas. Foi assim com Minha História, com Tanto Mar, com Atrás da Porta e com Cálice. Foi assim com Calabar, uma peça de teatro, um projeto seu e de Ruy Guerra, que a ditadura proibiu sem maiores explicações, deixando um prejuízo de 30 mil dólares investidos na época. Chico percebeu que nada que levasse seu nome passaria incólume pelos censores. Foi aí que nasceu Julinho da Adelaide, um personagem que Chico criou para tentar fugir à marcação dos censores. Julinho compôs três músicas: Acorda, amor, Jorge Maravilha e Milagre Brasileiro. Julinho morreu em 75, depois que uma matéria do Jornal do Brasil desmascarou a verdadeira identidade do sambista. Por esse tempo, a figura de Chico estava muito politizada. Ele diz que, nessa época, era mais aplaudido quando entrava no palco para cantar do que quando saía. Em 75, Chico decidiu se afastar das apresentações. Ficou nove anos longe e sua volta foi, como ele mesmo diz, num "meio-show" com Toquinho, em Buenos Aires, em 84. No final da década de 70, João Batista Figueiredo era o general da vez e a crise do petróleo fazia caírem por terra as ilusões do milagre brasileiro. A ditadura perdia a única justificativa possível:o crescimento econômico. Os generais preparavam sua saída e anunciavam a anistia aos exilados. Chico constatava a existência de um Brasil diferente. Muitas casas não tinham sequer fogão, mas tinham um aparelho de TV. Era um país cujo ensino foi ficando de lado e cuja classe média começava a se mediocrizar em frente à televisão. Foi no final dos anos 70 que surgiu Bye Bye Brasil, mais um trabalho de encomenda, para o fìlme de Carlos Diegues. Os anos 80 começavam e Chico comprou um terreno no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, e inaugurou o famoso campinho de futebol onde, até hoje, realiza torneios e mostra as habilidades de centroavante no time do Politheama. A década de 80 marcou, também, a volta de Chico a programas da Rede Globo. Ele e a emissora tiveram vários problemas durante a década de 70. Ainda nos anos 60, Chico deveria apresentar um programa com Norma Bengell, o Shell em Show Maior, mas, confirmando a fama de não levar muito jeito para o vídeo, só apareceu no primeiro dia de gravação. A Globo decidiu processá-lo por quebra de contrato. A situação só se resolveu com a interferência de Walter Clark, então superintendente da emissora. Ele propôs uma troca: Chico faria uma música para o II Festival Internacional da Canção, de 67, e a emissora retiraria o processo. Chico, de má vontade, criou Carolina. Finalmente, depois desse longo desentendimento, em 86, Chico fez seu programa na Globo, em parceria com Caetano: era o Chico e Caetano, levado ao ar uma vez por mês. O país vivia ainda a ressaca da campanha das diretas de 84 e estava mergulhado numa profunda crise econômica, a pobreza das cidades aumentava e a música se tornava, cada vez mais, um fenômeno ligado quase exclusivamente à mídia de televisão. Foi de 83 um dos últimos grandes sucessos de Chico: Vai Passar. O país já alcançava a marca de 120 milhões de habitantes, mas o crescimento não se refletia nas vendagens de boa parte da MPB. Já no final da década de 80, Chico ratifica sua postura ideológica e dá seu apoio à candidatura de Luiz Ignácio Lula da Silva, nas primeiras eleições diretas para presidente, depois de quase trinta anos de presidentes escolhidos indiretamente. Os anos 90 começaram e o popular, de alguma maneira, já havia perdido a dimensão de Chico e de boa parte daqueles que fizeram a MPB dos anos 60 e 70: eles viraram música apenas para uma parte da classe média. Em meados dos anos 90, o Brasil ainda é um país indeciso entre o asséptico e o plástico de Miami e a sujeira e a lama das favelas e dos conflitos de terra. O mesmo tema de 65, em Morte e Vida Severina, continua vivo no final do século. A posse da terra leva fazendeiros a contratar mortes e leva os sem-terra a organizar um movimento que propõe invasões. Os conflitos se acirram e o ano de 96 vem encontrar Chico mais uma vez envolvido com o popular. Ele prepara um álbum com músicas que falam desse movimento e cede os direitos autorais aos sem-terra. O ouvido popular mudou sua sintonia, mas o compositor continuou lá, popular, brasileiro.
Algumas letras magistrais: AQUI.
in Cifra Antiga fonte: MPB Compositores - Editora Globo
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por Ana M.C_Portugal
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EDU LOBO
Eduardo de Góis Lobo, compositor, instrumentista, arranjador e cantor, nasceu no Rio de Janeiro RJ em 29/8/1943. Filho do compositor Fernando Lobo, foi criado no Rio de Janeiro e na casa dos tios, em Recife PE, onde passava as férias escolares. Seu primeiro instrumento foi o acordeom, que estudou dos oito aos 14 anos. Fez os cursos ginasial e colegial no Colégio Santo Inácio, e por essa época já tentava algumas composições. Na PUC cursou direito até o terceiro ano. Com 16 anos, começou a se interessar pelo violão, iniciando-se com um amigo de infância, o compositor Téo de Barros, e estudando mais tarde com Vilma Graça.
Por volta de 1961, passou a freqüentar shows, principalmente no Beco das Garrafas, em Copacabana, onde assistia a espetáculos dos representantes da nova geração musical, entre os quais João Gilberto e Sérgio Mendes. Nessa época, com Dori Caymmi e Marcos Vale, formou um conjunto que chegou a atuar em shows. Seu pai incentivou-o, em 1962, a editar algumas composições. No mesmo ano, conheceu Vinícius de Morais, que fez a letra para Só me fez bem gravada em 1967, no LP Edu-Betânia, da Elenco. Foi também Vinicius quem escreveu a contracapa de seu primeiro disco, um compacto duplo gravado em 1962 com quatro músicas, entre elas Balancinho e Amor de ilusão (ambas de sua autoria), bem dentro do estilo intimista característico da bossa nova. Logo ampliou seu trabalho com temas e motivos da cultura popular, graças a influência de Sérgio Ricardo, João do Vale, Carlos e principalmente Rui Guerra, seu parceiro em Canção da terra, Reza e Aleluia, canções representativas dessa nova fase de criação, marcada por seu conteúdo social. Começando a compor para teatro, escreveu em 1963 as músicas para a peça Os Azeredos e os Benevides, de Oduvaldo Viana Filho. Entre elas, a canção Chegança (com Oduvaldo Viana Filho) alcançou grande sucesso. Outro êxito, Borandá, foi incluído no show Opinião, musical de protesto estreado no Rio de Janeiro em 1964. Ainda nesse ano, escreveu músicas para Berço de herói, peça teatral de Dias Gomes, e foi convidado por Gianfrancesco Guarnieri para participar da realização de um musical cuja idéia nascera da canção Zambi (com Vinícius de Morais). Em maio de 1965, estreou no Teatro de Arena, São Paulo SP, Arena conta Zumbi, de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, musicada por ele. Entre as canções do espetáculo, Upa, neguinho (com Gianfrancesco Guarnieri) tornou-se mais tarde um grande sucesso, cantado por Elis Regina. Em abril desse ano, inscreveu-se no I FMPB, da TV Excelsior, de São Paulo, com duas músicas, Aleluia (com Rui Guerra) e Arrastão (com Vinícius de Morais), ambas já gravadas em LP da Elenco, cuja distribuição foi adiada para que ficassem inéditas até o festival. Interpretada por Elis Regina, Arrastão foi a vencedora, projetando nacionalmente o compositor, já definido como um dos mais importantes da geração posterior ao surgimento da bossa nova. Ainda em 1965, apresentou-se ao lado de Nara Leão, do Tamba Trio e do Quinteto Villa-Lobos na boate carioca Zum-Zum, em show dirigido por Aluísio de Oliveira. Contratado pela TV Record, de São Paulo, passou a atuar semanalmente em programas dessa emissora, e em 1966 participou novamente de festivais: no II FMPB apresentou Jogo de roda (com Rui Guerra) e no I FIC, da TV Globo, Rio de Janeiro, concorreu com Canto triste (com Vinícius de Morais), esta classificada entre as finalistas. Nesse ano, excursionou pela Europa com outros artistas, entre os quais Sílvia Teles e o Salvador Trio, tendo o grupo gravado um disco na então República Federal da Alemanha. No Brasil em 1967, depois de quatro meses em Paris, França, onde fez um filme para a televisão, voltou a participar de festivais, saindo vencedor do III FMPB, com Ponteio (com Capinam), interpretada por ele e Marília Medalha. No ano seguinte, saiu seu terceiro LP pela Philips, destacando o frevo-canção No cordão da saideira e a canção Memórias de Marta Saré (com Gianfrancesco Guarnieri), que alcançou o segundo lugar no IV FMPB. Gravada mais tarde (1971 ) nos E.U.A., com o nome de Crystal Illusions, seria também a canção-tema da peça Marta Saré, de Gianfrancesco Guarnieri, musicada por ele, que estreou em janeiro de 1969 no Teatro João Caetano, do Rio de Janeiro. No início de 1969, participou do MIDEM, em Cannes, França. De volta ao Brasil, depois de uma passagem por Los Angeles, E.U.A., em abril do mesmo ano casou-se com Vanda Sá, partindo em seguida para Los Angeles, onde residiu por dois anos. Aí se dedicou ao estudo sistemático da música, fazendo cursos de orquestração com Albert Harris. Nesse período, excursionou pelo Japão, com Sérgio Mendes, que também produziu o LP Lobo, gravado em 1971 em Los Angeles e lançado pela A & M Records. Gravou ainda com Paul Desmond, saxofonista do Dave Brubeck Quartet, LP com composições suas e de Milton Nascimento. Dentre os discos feitos nos E.U.A., apenas o LP Cantiga de longe foi editado no Brasil, trazendo a participação de Hermeto Pascoal, Airto Moreira e Vanda Sá, que reapareceu como intérprete na canção Água verde (de sua autoria). De volta ao Brasil em 1971, trabalhou principalmente como arranjador, criando também a trilha sonora do filme Barão Otelo no barato dos milhões, de Miguel Borges. Compôs e realizou orquestrações para a peça teatral Woyzeck, de Georg Büchner (1813-1837), dirigida por Marilda Pedroso e encenada no Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro, em 1971. Fez arranjos para um disco de Marília Medalha e Vinícius de Morais, e em 1973 lançou o LP Edu Lobo (EMI) com músicas inéditas, inclusive uma missa. Ainda em 1973, trabalhou na orquestração das músicas de Calabar, ou O elogio da traição, peça teatral de Chico Buarque e Rui Guerra, algumas das quais foram lançadas em 1974 no LP Chico canta. Em 1974 e 1975, atuou como arranjador contratado da TV Globo, tendo sido responsáveI pela parte musical de quatro programas da série Caso especial. Em 1975 lançou o LP Deus Ihe pague (EMI), com músicas suas e de Vinícius de Morais. No ano seguinte, pela Continental, lançou o LP Limite das águas. Em 1977 fez tournée por toda a Alemanha, promovendo Limite das águas, lançado no exterior pela etiqueta MPS. Um ano depois, gravou o LP Camaleão (Philips/Polygram), lançado no Brasil e no Japão. Em 1979 compôs a trilha sonora do filme Barra pesada, de Reginaldo Farias, ganhando prêmio no Festival de Cinema de Gramado RS. Durante a década de 1980, compôs principalmente para teatro e cinema. Em 1980, após lançar o LP Tempo presente (Philips/Polygram), escreveu e compôs o balé Jogos de dança para o Teatro Guaíra, de Curitiba PR, lançado em disco no ano seguinte pela Som Livre. Em 1981, em parceria com Tom Jobim, lançou Tom e Edu (Philips/Polygram). Em 1983, em parceira com Chico Buarque, compôs o espetáculo O grande circo místico, que daria origem a um LP homônimo lançado pela Som Livre, com a participação de Gal Costa, Tom Jobim, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Tim Maia, entre outros. A parceria com Chico Buarque se repetiria com O corsário do rei, de 1985, e Dança da meia-lua, de 1988, ambos lançados em disco pela Som Livre. Em 1984 escreveu a trilha sonora dos filmes O cavalinho azul, de Eduardo Escorel, e Imagens do inconsciente, de Leon Hirshman. Compôs em 1990 as músicas do programa infantil Rá-tim-bum, da TV Cultura de São Paulo, posteriormente lançado em CD pela Sharp. Em 1992 voltou a apresentar espetáculos, obtendo grande repercussão, o que o levou a gravar um novo disco de intérprete: Corrupião, lançado em CD pela gravadora Velas. Em 1994 recebeu o Prêmio Shell de melhor compositor de música brasileira, pelo conjunto da obra. Lançou em 1995 Meia-noite (Velas), que traz um choro instrumental em homenagem a Tom Jobim: Perambulando. O disco recebeu o Prêmio Sharp como melhor disco de música popular brasileira. Nesse mesmo ano, foi lançado o Songbook Edu Lobo (duplo), pela editora e gravadora Lumiar. Em 1997 compôs Tema de Canudos, em parceria com Cacaso, para o filme Guerra de Canudos, de Sérgio Resende, e foi lançado o CD-Álbum de teatro, com canções em parceria com Chico Buarque.
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Obra de Edu Lobo
Abertura (Premonição de Maria), 1971; Água verde, 1970; Aleluia (c/Rui Guerra), 1965; Alguém sob medida, 1962; Amor de ilusão, 1962; Arrastão (c/Vinícius de Morais), 1965; Balada do campo de junco (c/Rui Guerra), 1972; Balancinho, 1962; Borandá, 1964; Cahuenga (c/Rui Guerra), 1972; Calada cantiga, 1972; Campos da noite, 1972; Canção da faca, s.d.; Canção da terra (c/Rui Guerra), 1965; Canção do amanhecer (c/Vinícius de Morais), 1965; Candeias, 1967; Cantiga de longe, 1970; Canto continental, s.d.; Canto triste (c/Vinícius de Morais), 1967; Cantoria (c/Rui Guerra), 1972; Casa forte, Catarina e Mariana (c/Rui Guerra), 1967; O charlatão, s.d.; Chegança (c/Oduvaldo Viana Filho), 1965; Chorinho de mágoa (c/Capinam), 1972; Choro bandido (c/Chico Buarque), 1985; Cidade nova (c/Ronaldo Bastos), 1970; Cirandeiro (c/Capinam), 1967; O circo místico (c/Chico Buarque), 1983; Círculos (Zanga, zangada), s.d.; Corrida de jangada (c/Capinam), 1967; De você eu quero tudo (c/Rui Guerra), 1972; Definitivamente, 1972; Dois coelhos (c/Rui Guerra), 1973; Dois tempos (c/Capinam), 1967; O dono da verdade, s.d.; Em tempo de adeus (c/Rui Guerra), 1965; Embolada (c/Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal), 1967; O espelho de Maria, s.d.; Estatuinha (c/Gianfrancesco Guarnieri), 1967; Eu vivo num tempo de guerra (c/Gianfrancesco Guarnieri), 1966; Feira de Santarém (c/Gianfrancesco Guarnieri e Rui Guerra), 1970; Festa de sangue, s.d.; Festas mortas (c/Gianfrancesco Guarnieri), 1973; Flor de Itamaracá, s.d.; Foi preciso viver, 1972; Frevo de Itamaracá, 1970; Glória, s.d.; Incelença (c/Rui Guerra), s.d.; Jogo de roda (c/Rui Guerra), 1966; Kyrie, s.d.; Libera nos, s.d.; Lua nova (c/Torquato Neto), 1967; Maré morta (c/Rui Guerra), 1972; Maria e a festa, s.d.; Mariana, Mariana (c/Rui Guerra), 1970; Marta e Romão (c/Gianfrancesco Guarnieri), 1970; Meia-noite (c/Chico Buarque), 1985; Memórias de Marta Saré (c/Gianfrancesco Guarnieri), 1968; As mesmas histórias, 1965; Meu caminho (c/Dori Caymmi), 1967; Na ilha de Lia, no barco de Rosa (c/Chico Buarque), 1988; Nego maluco (c/Chico Buarque), 1994; No cordão da saideira, frevo-canção, 1968; Norte sul (c/Rui Guerra), cantoria, s.d.; Oremus, s.d.; Paris seis por oito, 1972; Ponteio (c/Capinam), 1967; Porto do sol (c/Ronaldo B. Ribeiro), s.d.; Pra dizer adeus (c/Torquato Neto), 1967; Quatro ventos, s.d.; Rainha porta-bandeira (c/Rui Guerra), 1972; Rancho de ano novo (c/Capinam), 1970; Réquiem nQ 3 (c/Rui Guerra), 1972; Réquiem para um amor (c/Rui Guerra), 1965; Resolução (c/Lula Freire), 1965; Reza (c/Rui Guerra), 1965; Rosinha (c/Capinam), 1967; Sailing night (c/Rui Guerra), 1972; Saudades só para mim, 1962; O sim e o não, s.d.; Sinherê (c/Gianfrancesco Guarnieri), 1967; Só me faz bem (c/Vinícius de Morais), 1967; Sobre todas as coisas (c/Chico Buarque), 1983; O tempo e o rio (c/Capinam), 1967; Upa, neguinho (c/Gianfrancesco Guarnieri), 1965; Valmi, s.d.; Valsa brasileira (c/Chico Buarque), 1988; Vamos amar (c/Marcos Vale), s.d.; Veleiro (c/Torquato , Neto), 1967; Vento bravo (c/Paulo César Pinheiro), 1973; Viola fora de moda (c/Capinam), 1973; Vira e mexe, s.d.; Zambi (c/Vinícius de Morais), 1964; Zanga, zangada (c/Ronaldo B. Ribeiro), 1973; Zanzibar, 1970.
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Postado
por Ana M.C_Portugal
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