quinta-feira, janeiro 27, 2005
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[13:51]
REPORTAGEM O homem que desnuda as mulheres (*)
O fotógrafo Petter Hegre
Em março de 2001, Petter Hegre estava agitado. Tinha passado dos trinta fazia quase dois anos, casado e separado duas vezes e tido duas filhas pelo caminho. Fora assistente de um dos maiores fotógrafos do século 20 e até, por conta própria, havia ganhado alguma reputação internacional com a publicação de "My wife", livro com imagens de sua ex-mulher nua. Mas a bela islandesa Svanborg já não estava mais por ali. E a cidadezinha portuária de Stavanger, no sul de sua Noruega natal, o oprimia. Hegre precisava de algo novo. Um projeto, uma saída.
E, no entanto, nada lhe satisfazia. Durante horas, cruzava os sites das agências de modelos à procura de uma nova musa, uma moça que lhe inspirasse outro livro. Nunca a encontrava. Se o rosto era marcante, algo da proporção não lhe satisfazia – seios grandes, bunda miúda ou o contrário, muito baixa, pernas finas ou grossas demais. Até então, no estúdio que montara, tinha feito de tudo. Propaganda de carro e da indústria petroleira, pôsteres de teatro, álbuns de casamento, mas agora, não, agora queria fixar-se como fotógrafo de mulheres nuas. Aí encontrou Luba.
O novo nu
Na fotografia, as duas gêmeas idênticas vestiam roupa de ginástica e meias pretas até o joelho, usavam os cabelos castanhos - nem curtos, nem longos. Esguias, eslavas, evocavam, para Hegre, a perfeição. Imprimiu a imagem, colhida do book de uma agência em Kiev, e decidiu que gostava mais da que estava à esquerda. O batimento cardíaco acelerou, não sabia nada dela, sorriu para seu assistente: "Bjorheim, vou casar com essa mulher". Lançou mão do telefone, ligou para os ucranianos, identificou-se como fotógrafo e convidou Luba Shumeyko para uma visita.
Fotografou-a por uma semana, horas a fio, dia e noite, tudo estritamente profissional. Quando ela voltou para casa, ele sentiu saudades. Tornou a telefonar-lhe, ansioso, explicou que gostara do trabalho, perguntou se ela não faria uma segunda visita. Hegre ri ao contar essa parte: "Aí não conseguimos mais manter o profissionalismo". Apaixonaram-se, ela se mudou para Stavanger de forma que o namoro engatasse e ele já tinha uma idéia do que faria com o resto da vida: pôs um site no ar.
Hegre-archives.com tem hoje por volta de 55.000 fotografias de mulheres nuas e algo entre 20 e 200 novas vão ao ar diariamente, uma série por vez. São modelos que Petter descobre viajando pelo mundo. Além disto, são também 120 pequenos filmes, em geral making of das sessões – e há um novo a cada semana. Contem-se ainda mais de 25 relatos de suas viagens pelo mundo, que ele descreve diletantemente na forma de diário. Incluam-se também histórias eróticas de escritores profissionais e fotografias amadoras enviadas por seus usuários, umas 500, um bojo que atrai meio milhão de pessoas diariamente, entre as quais dezenas de milhares de pagantes da taxa mensal de 29 dólares. O número exato de assinantes, não revela.
O site, seus livros – está no sexto, o quinto chamou-se "Luba" –, as exposições nas melhores galerias da Europa e dos EUA e a revista que deve lançar este ano representam o que chama New Nude – o Novo Nu –, movimento de um homem só para relançar o conceito da nudez feminina. "Eu nunca me impressionei muito com o que era publicado pelas revistas norte-americanas ‘Playboy’, ‘Hustler’, ‘Penthouse’." A maquiagem, as poses, a iluminação, tudo, parecia a Hegre, culmina com um efeito de artificialidade que jamais revela quem é de fato aquela mulher. A revista, que será distribuída mundialmente, se chamará "New Nude", será impressa em inglês e alemão, mas terá, na versão online, traduções para o francês e o espanhol.
À porta de Richard Avedon
Hegre é natural de Stavanger, onde nasceu em 1969. A Noruega é o país mais conservador da península nórdica e o cinturão religioso, que tem em sua cidade natal a maior aglomeração urbana, é o foco mais conservador do país. Seu pai é dentista, a mãe contadora, criaram-no numa família de classe média pacata e ele sempre achou que terminaria dentista como o pai, herdando eventualmente seu consultório. Quando completou vinte anos, pediu entrada na faculdade local de odontologia, mas, num rasgo de ousadia, decidiu apelar também para o Instituto Brooks em Santa Bárbara, Califórnia, uma das principais escolas de fotografia do mundo. Aceitaram-no.
O curso não era nada do que esperou. Aulas de economia, história, matérias empilhadas que não o interessavam. Trancou matrícula e decidiu pagar apenas pelas disciplinas avulsas que o profissionalizariam, abrindo mão do diploma superior. No fim de um ano e meio, tinha a formação que procurava e nenhum emprego. Precisava descolar algum fotógrafo nos arredores que tivesse condições de bancar um assistente, como fizeram seus colegas. Mas, ao invés disso, em 1990 viajou para Nova York e bateu à porta de Richard Avedon.
Alto, grisalho, elegante, a essência do nova-iorquino cosmopolita, Avedon tinha 67 anos. Não era um fotógrafo de moda – era o inventor da fotografia de moda como arte. Avedon já estava no topo da carreira fazia tantas décadas que, parecia, tinha existido desde sempre. Ainda nos anos 50, quando a Metro preparava-se para filmar um de seus grandes clássicos, "Cinderela em Paris", foi na porta de Avedon que Fred Astaire bateu em busca de inspiração para o que seria um de seus personagens mais lembrados, Dick Avery.
E agora era Hegre quem lhe batia à porta. Um jovem louro de 21 anos, muito magro, traços finos, sotaque rascante e oriundo de uma província no fundão da Europa. "Acho que ele só me aceitou porque, como eu tinha feito serviço militar, sabia lavar o chão." E teria ficado muito mais do que um ano como assistente de Avedon não fosse a gravidez repentina de sua jovem namorada. Era hora de voltar para Stavanger, abrir um pequeno estúdio, fazer-se produtivo e ganhar dinheiro, sustentar família. Tinham já duas filhas quando o casamento desandou.
"My wife": retrato da intimidade
Em 1996, uma jovem islandesa de cabelos louros e rosto quadrado procurou-o. Queria ser modelo. Apaixonaram-se e casaram, dois anos depois. Desde o início, Petter fotografou-a, não apenas no estúdio, mas também na intimidade da casa: Svanborg com creme de beleza cobrindo-lhe o rosto ou dormindo entorpecida e desleixada, uma garrafa de destilado à mesa; Svanborg desconcertada num grito de gozo; Svanborg fazendo pose no campo e a filhinha de Hegre imitando-a, ambas sorriem; Svanborg com outra mulher, na cama, enlaçadas. De um acervo de 6.000 imagens, Hegre fez a seleção que deu forma a "My wife", um desconcertante e ao mesmo tempo poético retrato de sua intimidade.
O lançamento do livro, em 2000, marcou a catarse da relação que, enfim, terminou. Em 2001, valeu-lhe o prêmio de Fotógrafo Erótico do Ano, em Londres. Mas, em casa, a obra no limite do explícito foi rechaçada. Seus pais, profissionais liberais, agüentaram a pressão. No entanto, a comunidade local – ao menos, sentiu assim – parecia querer expurgá-lo. E, de qualquer forma, se a fotografia erótica era seu futuro, na Noruega suas possibilidades estavam limitadas. Hegre precisou viajar cada vez mais. Com a chegada da jovem Luba, uma modelo de quilate internacional que tinha dificuldade, tão longe, de conseguir trabalho, ficou enfim claro que deveriam se mudar.
Hegre-archives.com foi ao ar em janeiro de 2002; em fevereiro publicou-se nele a primeira imagem de Luba nua, mesmo mês em que casaram. No mesmo ano, tomaram um vôo para Portugal, encontraram um sítio com várias laranjeiras no Algarve e compraram-no. E o site deslanchou muito rápido. De repente, Petter recebia telefonemas de colecionadores de arte, galeristas de Hamburgo, Londres e Paris. Estava alçado à listagem dos grandes fotógrafos.
A cada cinco ou seis semanas, Petter Hegre faz uma viagem, quase sempre acompanhado de Luba. Planeja tudo com antecedência. Escolhido o país que visitará, entra em contato com agências de modelo para fuçar possíveis candidatas. Tem em mente sempre um padrão: altas e magras, com bunda e peito, bonitas.
No dia anterior à sessão, recomenda que tenham uma boa noite de sono e que não bebam, para chegarem bem-dispostas. Explica que gosta de mulheres de todo depiladas – não é uma exigência, apenas sugestão. Pede para que não usem sutiã ou calcinha apertados, de forma a não marcar a pele, e que evitem maquiagem. A sessão pode durar de oito a dez horas, o que faz com que as moças não consigam evitar cãibras vez por outra. Faz tanto disso que raramente se excita – "a não ser que esteja fotografando minha mulher".
Enquanto está longe da base, mantém contato constante com a equipe. Seu editor, que cuida de toda a parte de texto, fica em Londres, o webmaster na Noruega, seu escritório é no Algarve e a divulgação é tocada de Nova York e de Kiev, pela irmã mais velha de Luba, que gerencia também projetos de caridade que levam 1% dos lucros do site. E não larga as filhas, de 9 e 13 anos. Passaram o Natal juntos e conversam constantemente, via email, mensagens de texto pelo celular. A toda hora, ajuda em seus deveres de casa, não importa em que parte do mundo, via webcam.
Susto no Ceará
Quando volta para Portugal, vem o trabalho de pós-produção, ele e seus assistentes revelam as fotos, digitalizam, selecionam e começam a organizar a fila de entrada no site. Do Algarve, eventualmente faz viagens curtas para trabalhos externos para os quais é contratado. Agora em janeiro, passou dois dias em Barcelona, em dezembro esteve em Paris, fotografando Luba e sua irmã gêmea, Nadya Shumeyko, para a edição francesa da “Playboy”. Ele não gosta da “Playboy”, mas lhe pagaram "uma tonelada de dinheiro" para que ele as fotografasse como bem entendesse.
Petter esteve duas vezes no Brasil – a primeira, uma viagem curta a Porto Alegre, em 2001, e depois, em 2003, para o que seria uma estada mais longa, no Ceará. Chegou a Fortaleza acompanhado de um amigo alemão que fala português – apesar de morar no Algarve, Petter ainda não aprendeu a língua. "Meus caros membros", escreveu em seu diário, "aqui estou no Brasil primitivo e devo dizer-lhes que tudo o que vocês vêem na tevê é verdade, o Brasil é todo corpo." Por conta da dificuldade de lidar com as agências de modelos locais que rejeitavam fotografias de suas modelos nuas, tinha apenas uma sessão agendada, com Anahí Florez, uma professora de ioga da Argentina que voou para encontrá-lo.
No início, pareceu que tudo iria bem. Na primeira noite, após a sessão com Anahí, conheceram numa boate uma menina chamada Gisela que jamais havia posado, mas topou. Então uma jovem modelo da Elite, proibida pela agência de fotografar com Petter, decidiu burlar a vigilância patronal. Já no quarto dia, apareceu à porta a amiga da empregada da casa que haviam alugado, uma negra mignon atrás da chance de lançar-se como dançarina, cantora, qualquer coisa. No fim, perguntou a Hegre: "Quer dizer que agora sou modelo?". Ele respondeu que sim.
À noite, o fotógrafo foi acordado com vidros quebrados e a voz de seu amigo, no andar debaixo, gritando "calma! calma!" Petter ficou em silêncio e, no início, esperou. O tempo passava devagar, ele não conseguia distinguir o que acontecia. Escapou da janela para o telhado. Pela janela de seu quarto, abaixo, vê uma mão mexendo nas cortinas – alguém o procura. Espera. Então, quando acha que não há mais perigo, pula para o chão e se aproxima da casa, onde encontra o amigo nu, amarrado, machucado. Dois ou três homens armados com revólveres e correntes haviam invadido o lugar à procura do equipamento. Jamais perceberam que estava tudo ali, em duas malas especiais, na sala de baixo. Tiveram medo de que Petter, tendo fugido, chamasse a polícia.
"Eu não sei o que dizer, depois me falaram que não devia mostrar meu equipamento ostensivamente no Brasil, mas é assim que trabalho. Me disseram que devia andar com homens armados, mas será mesmo necessário?" Já hospedado num hotel, refeito do susto e antes de voltar à Europa, ainda convenceu a moça que atendia na lojinha de pedras semi-preciosas do lobby a posar. Pretende voltar ao país para fazer o circuito Rio, São Paulo e sul, e sua equipe em Portugal está tentando agitar com as agências. Se conseguir três ou quatro modelos, voltará. Apreensivo.
Às vezes, durante suas sessões de fotografias, as modelos se excitam. Este é o momento que Petter Hegre sempre procura. "Quero uma mulher que esteja orgulhosa de si, que queira se mostrar nua, mostrar-se para a câmera, que goste de ser fotografada, tem de ser uma mulher que queira isso. Umas modelos são preguiçosas demais, ficam esperando você pedir para que elas façam coisas, perdem o foco muito rápido, mas assim não dá. Ela precisa estar prestando atenção sempre, tem de estar alerta, querer aquilo. Porque a pornografia que você encontra por aí tem algo de depressivo, como se as mulheres não tivessem vontade nenhuma. Acho que é por isso que quem vem ao meu site não é aquele cara masturbador, aquele que está procurando um alívio rápido para seguir adiante, esse sujeito acaba se achando na Internet, tem muita coisa pra ele. Quem paga para acessar o Hegre-archives é um voyeur, alguém como eu que quer ver uma mulher sem roupa, mas também está à procura de uma experiência estética porque, sabe, ela é uma mulher bonita e quer ser vista. Ela quer."
(*) por Pedro Dória. AQUI
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Postado
por Ana M.C_Portugal
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sexta-feira, janeiro 21, 2005
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[14:01]
REPORTAGEM Para morder a Maçã (*)
«Erotic New York» de Tim Haft
Se depender do americano Tim Haft, a cidade que nunca dorme tem mais algumas razões para virar a noite. Ele é o autor de “Erotic New York – The Best Sex in the City”, um guia local vendido em qualquer livraria e que, mesmo sem listar restaurantes, tem o poder de abrir apetites. O lançamento da edição de 2005 foi comemorada na quinta-feira, 20 de janeiro, com festa. “O evento foi de arromba, com jogos eróticos e outras surpresinhas”, avisa Tim, um profissional de educação física de 44 anos.
Com o mesmo formato, fino e esguio, do “Zagat Survey”, a bíblia gastronômica nova-iorquina, “Erotic New York” cabe em qualquer bolsa – saída ideal para situações de emergência. Suas páginas sem fotos listam cerca de 200 lugares na Ilha de Manhattan analisados meticulosamente pelo preciso número de 69 sexperts sob a supervisão e edição de Tim. A leitura é recheada ainda de frases de celebridades. Woody Allen, por exemplo, diz que “sua opção é hetero, mas que ser bissexual dobra imediatamente as chances de se dar bem num sábado à noite”.
A terceira versão do guia – a primeira foi lançada em 1998 – ganhou dezenas de novos endereços. “Cansei de escutar histórias monótonas sobre a vida dos meus amigos casados”, diz. “Todas as relações passam por fases mais frias. Quis dar uma ajudinha para aquecê-las.”
O guia é democrático: traz dicas para todos os fetiches, lados e posições. Para evitar qualquer mal-entendido, cada item é acompanhado por ícones que indicam o público alvo: heterossexuais, gays, lésbicas ou transexuais. Encontram-se bares de strip tease, lojas de DVD, vídeos e peepshows, casas sadomasoquistas, festas eróticas, lojas de “brinquedos”, butiques de moda ardente, literatura, arte e artistas. Para quem se preocupa mais com os endereços do que com a variedade do cardápio sexual, o guia também é divido por bairros.
Tim Haft conta que nem a epidemia da Aids nem a administração Rudolph Giuliani afetaram o mercado. “Vimos apenas uma diminuição da quantidade de saunas gays, onde aconteciam grandes orgias. Giuliani, por sua vez, trouxe mudanças visíveis para a Times Square, outrora epicentro do sexo, hoje tomada por cinemas e lojas. A maior parte dos lugares eróticos é underground, fora da vista dos turistas, e isso nunca mudou.”
O autor do guia afirma que o estilo burlesque, mulheres que dançam, provocam mas não se despem, algo popular na década de 30, até hoje continua a atrair muita gente. “É algo visto como sofisticado e de bom-gosto.” E bastante freqüentado por mulheres na platéia.
Mini-guia
Tim selecionou cinco lugares para deleitar os leitores do NoMínimo pela Internet. A loja Toys in Babeland – aberta de meio-dia à meia-noite, no Lower East Side, um bairro antigo ocupado também por judeus ortodoxos, mas que tem ressurgido como um dos mais vanguardistas da cidade – merece uma visita. Lá se encontra de loções e calcinhas que transformam mulheres em, digamos, super-homens a vibradores de todos os gostos e cores e ainda com mil e uma utilidades. Um deles, rosa-trasparente, promete “fazer tudo, menos lavar a louça”.
A Agent Provocateur, localizada no SoHo, explicitamente entre as lojas de alta-costura, é outra opção. Nela se pode provar cintas-liga e lingeries que fazem a linha sexy-sofisticado a sutiãs que sustentam, mas deixam os seios totalmente à mostra. De acordo com os sexperts, a loja só oferece um tamanho de sutiã: o pequeno. Maior pra quê?
Para casais no auge da criatividade, Tim Haft sugere o Den of Inquity. “Não há nada pior do que ter a polícia a sua porta só porque o vizinho da frente flagrou você vestindo o seu marido com roupas de látex”, ensina o guia. Den of Inquity é, certamente, o lugar para extravasar desejos obscuros. O lugar, dirigido por Mistress Tara, fica no bairro de Chelsea. Trata-se de um espaço de uns quatrocentos metros quadrados dividido por ambientes como o Water World –, uma sala com jacuzzi e hidroterapia torturantes – ou a réplica de um consultório de ginecologia – para os que se ligam em brincar de médico. O endereço não é divulgado. Para marcar hora, deve-se telefonar ou enviar e-mail.
Tim Haft recomenda ainda, para quem gosta de arte erótica, a galeria Art at Large. No “Erotic New York – The Best Sex in the City”, ela ganha a referência de “celebração à forma e ao comportamento humano”.
Na categoria festas eróticas, a sugestão é participar da OneLegUp uma organização fechada para sócios que promove festas em que o sexo é liberado. Para fazer parte da orgia é preciso passar por um pente-fino, além de pagar uma anuidade. As festas privativas são chamadas de eat-in – alusão a “comer no restaurante” em vez de levar a refeição para viagem.
Sempre temáticas, elas acontecem em lofts decorados para a ocasião com abundância de sofás e almofadas. O endereço é divulgado apenas para os participantes. De vez em quando, porém, a organização promove uma take-out – aquela em que se leva a refeição para comer em casa. O evento ainda assim é chique. Camiseta e calça desbotada nem pensar. Na versão take-out o sexo é apenas implícito e não-sócios também são bem-vindos. A repórter do NoMínimo foi conferir.
Convidada de honra
Como em todo evento nova-iorquino, é preciso primeiro enviar o RSVP por e-mail. A resposta é sugestiva:
“Dear Erotic OneLegUpper’s, Este e-mail confirma que a nossa sexy equipe recebeu seu RSVP. Sugerimos que vocês se vistam de acordo com o tema da noite: Moulin Rouge. Get Oral, OneLegUpNYC”
O local escolhido é a boate Salon, fechada para o evento. Localizada no West Village, na avenida que beira o Rio Hudson, ela revela uma linda vista da cidade. Espero minha companhia na porta – jantamos em lugares diferentes e combinamos nos encontrar ali. A entrada é discreta. Nada indica o que se passa lá dentro. Tirando uma mulher de peruca rosa e meia-arrastão, acompanhada de um senhor que faz o estilo “madrugada em Copacabana”, todos exibem aparência de gente discreta.
Um rapaz de uns 30 anos chega sozinho. É barrado. Homens desacompanhados não entram. Mulheres, sim. O celular toca, meu parceiro avisa que acaba de perder a carteira no táxi e que sua noite será um inferno, mas engulo seco e entro sozinha. Desembolso 25 dólares, preço do ingresso para mulheres desacompanhadas, depois de meia-noite - para o casal fica por 65 dólares. Depois de deixar o cachecol de plumas brancas, o gorro, o casaco, a suéter, além de seis dólares, à camareira, é que se percebe que não há saída numa festa em que se despir é o barato – ou caro. A máscara veneziana em forma de borboleta, escondida na bolsa, é a saída Moulin Rouge para o desastre que seria encontrar alguém conhecido.
Cerca de 150 pessoas balançam o corpo numa animação rara em festas nova-iorquinas, nas quais se fala muito e se dança pouco. Lustres imensos refletem uma luz baixa. Parece cabaré parisiense. Mulheres seminuas, com desenhos pelo corpo e coroas de plumas, rebolam sobre o balcão. Na pista, uma mulher pinta o corpo de um homem sem camisa. A abordagem de um homem que aparenta ter uns cinqüenta anos não podia ser mais inusitada. Ele me abraça e convida para dançar – com ele e a mulher dele. Melhor sair de fininho.
Mulheres usam corpete e cinta-liga ao estilo Tiazinha. Outras exibem adesivos sobre os seios. Ninguém está completamente despido. Uma moça de uns 30 anos samba tão bem que entrega a nacionalidade, enquanto beija e abraça calorosamente... a namorada. Na fila do banheiro misto, homens e mulheres esperam a vez – juntos. Outro cavalheiro, até então vestido de paletó e gravata, faz a abordagem estilo curioso. A estratégia é adivinhar de onde sou. Dá a volta ao mundo, mas nem chega perto da América Latina. Trata-se de um grego.
“A festa de hoje é para as pessoas se conhecerem. Nas festas fechadas para sócios, as pessoas transam nos sofás, por todos os lados. Nunca fiz isso”, diz ele, antes de se corrigir: “Quer dizer, uma vez fiz”. Depois, puxa sua “amiga”, advogada de uma companhia telefônica americana, para me apresentar. Maquiagem pesada, cabelos cacheados, vários quilos acima do peso e um corpete oceanicamente decotado, ela comenta que acaba de chegar de uma viagem de negócios à Bahia. Pergunta se é a minha primeira vez nesse tipo de festa. Digo que sim. Ela passa a mão levemente sobre o meu ombro e seios e diz: “Então você é virgem”.
Eles me puxam para dançar na pista lotada. Ao nosso lado, um casal de mulatos carrega uma câmera digital, artefato proibido nas festas do OneLegUp – gravadores e filmadoras são igualmente proibidos. O grego se apodera da câmera e tira uma foto do casal: ele lambendo os seios dela. Depois aponta Palagia, a organizadora dessas festas. Trata-se de uma grega como ele, de trinta e poucos anos, que deixou a carreira de relações públicas para se dedicar ao mercado de festas eróticas. Loira, de cabelos lisos, ela veste apenas uma calcinha bem-comportada de babados vermelhos – estilo almofada artesanal. “Você sabia que vários casais vêm aqui para conhecer mulheres?”, pergunta-me, com certa malícia, o grego, antes que a advogada o puxe pelo braço para se juntarem a um casal que dançava encaixado na pista. É a senha para uma saída à francesa.
por Tania Menai. AQUI
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Postado
por Ana M.C_Portugal
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quinta-feira, janeiro 20, 2005
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[14:14]
REPORTAGEM Ressurreição no Araguaia (*)
A partir da esq.: Josian, ex-soldado que combateu os guerrilheiros, hoje integrante da comissão encarregada de levantar a memória do período, Miriam Alves, "Zezinho", "Jonas" e Valéria Costa, irmã de Valquíria, última guerrilheira morta no Araguaia
Desaparecido desde o final de 1974, o ex-guerrilheiro Josias Gonçalves de Sousa, o “Jonas”, está vivo e, 31 anos depois de terminada a Guerrilha do Araguaia, ainda leva uma vida semiclandestina nas matas da Amazônia. Ele reapareceu no final do ano passado a ativistas de esquerda que se encontravam em Xambioá, no Tocantins, e São Geraldo do Araguaia, no Pará, para criar na região um memorial em homenagem à guerrilha. Aos parceiros de antigos ideais deixou uma declaração em que conta sua história, desde que aderiu à guerrilha, em fevereiro de 1973, até ser preso, solto e perseguido por pistoleiros que eram, ao mesmo tempo, guias dos militares e caçadores de recompensa. O Exército o libertou clandestinamente da prisão, mas não retirou a recompensa que oferecia por sua captura.
Josias Gonçalves de Sousa é citado como “Jonas” em dois trechos do “Relatório Arroyo” – único documento oficial do PC do B sobre a Guerrilha do Araguaia, escrito por um dos principais dirigentes da guerrilha, Ângelo Arroyo, morto em 1976 em São Paulo por agentes da repressão no episódio que ficou conhecido como a Chacina da Lapa. Arroyo conta que “Jonas” foi recrutado entre “os elementos da massa”, dentro de um processo de cooptação de moradores da região que teria resultado na adesão de cerca de duas dezenas de camponeses à luta deflagrada pelo PC do B. A maioria está desaparecida.
Josias Gonçalves de Sousa estava até o final do ano passado na mesma lista em que figuram os guerrilheiros desaparecidos no site do partido (www.vermelho.org.br). Há poucos dias o nome dele foi retirado. Mas permanece na página da Internet da ex-guerrilheira Criméia Alice Schimit de Almeida. Ex-mulher de André Grabóis, um dos dirigentes da guerrilha, também desaparecido, ela deixou a região antes do início da luta porque estava grávida. Com "Jonas", a lista de desaparecidos do Araguaia tem 78 nomes - 58 guerrilheiros e 20 moradores da região.
A Guerrilha do Araguaia foi o mais arrojado foco de subversão organizado pela esquerda armada para enfrentar o regime militar. Começou a ser preparada no final de 1966 por ativistas que fizeram curso de guerrilha na China e durou até o início de 1975. A fase de combates abertos teve início oficialmente em 12 de abril de 1972, de acordo com o “Relatório Arroyo” e documentos militares do período.
Durante cerca de cinco anos, 69 ativistas – entre dirigentes do PC do B e estudantes recrutados nas universidades, especialmente depois da prisão dos participantes do Congresso da UNE de Ibiúna, em São Paulo – se misturaram entre os camponeses para organizar a luta armada que pretendia derrubar o regime com uma revolução de origem rural.
Ao se apresentar ao grupo de ativistas que pretendem erguer o memorial da guerrilha, “Jonas” foi reconhecido por Micheas Gomes de Almeida, o “Zezinho do Araguaia”, que integrava o comando militar do PC do B e que se pensava, até agora, ser o único sobrevivente do movimento. “Zezinho” afirma que se encontrou com o então companheiro de lutas na mata em várias ocasiões entre o início e o final de 1973.
Testemunha perigosa
O relato de “Jonas” chegou a “Zezinho” com duas recomendações: que sua história seja encaminhada à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça com um pedido de indenização e outro para que o governo lhe dê garantias de vida. Explica-se o temor: ele seria testemunha de supostos crimes cometidos por militares. Como ficou cerca de um ano preso na base do Exército em Xambioá, conviveu com outros guerrilheiros que, depois de presos, teriam sido retirados da cadeia e desapareceram. Também teria testemunhado execuções em escaramuças na mata durante o conflito armado.
Um dos guerrilheiros que “Jonas” relata ter visto na prisão e que desapareceu depois de retirado da base de Xambioá de helicóptero pelos militares é Tobias Pereira Júnior, ex-estudante de medicina da Universidade Federal Fluminense, que militava com o codinome de “Josias”. Foi a coincidência entre o nome de guerra de um e o verdadeiro de outro que levou os dirigentes do PC do B a rebatizar Josias com o codinome “Jonas”. Os dois pertenciam ao mesmo grupo.
Na prisão, Tobias viria a livrar “Jonas” da morte ao prestar um depoimento em que garantia aos militares que o lavrador, na época com 18 anos, se incorporou às Forças Guerrilheiras (Foguera) porque não lhe restou outra opção depois que sua família fora presa, mas que não teria tido participação em nenhum confronto. A versão coincidia com depoimento de “Jonas”. A bem da verdade, ele aceitou o convite e combateu na guerrilha como quadro militar. Na lista do PC do B é tratado como guerrilheiro e não como morador.
“Jonas” conta ter convivido na base militar de Xambioá com outros dois guerrilheiros que estão desaparecidos. Um deles foi Cilon da Cunha Brum, conhecido por “Comprido” ou “Simão”, natural de São Sepé, no Rio Grande do Sul, ex-estudante de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, preso e desaparecido desde o Natal de 1973. Suely Yumiko Kamaiama, a “Chica”, paulista de Coronel Macedo, ex-estudante de Licenciatura em Língua Portuguesa e Germânica da Universidade de São Paulo, também faz parte das memórias de “Jonas”.
A versão dele, de que teria visto “Chica” na prisão, contraria outros relatos. No livro “Dos filhos deste solo”, de autoria do secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, e do jornalista Carlos Tibúrcio, consta que ela foi cercada por uma tropa militar no início de 1974 e metralhada por resistir à rendição. Seu corpo teria sido perfurado por cerca de 100 tiros. A conclusão foi retirada de um relatório do Exército. “Josias garante que ‘Chica’ esteve presa na base militar de Xambioá”, diz a jornalista Myrian Alves, filiada ao PT, pesquisadora da Guerrilha do Araguaia e que também faz parte da comissão que organiza o memorial.
Emboscada e barbárie
Recrutado pela geóloga Dinalva Conceição Teixeira, a “Dina”, e Osvaldo Orlando da Costa, o “Osvaldão”, que ao lado do médico gaúcho João Carlos Haas Sobrinho, o “Juca”, se tornaram lendas no Araguaia, “Jonas” teria permanecido nove meses na guerrilha e só se rendeu no final de 1973 para ser trocado pelo pai, José Gonçalves, preso e torturado porque o filho havia aderido à subversão. No período em que atuou na guerrilha participou de confrontos com os militares. Na declaração que será encaminhada à Comissão de Anistia são citados dois episódios: o ataque a um pelotão do Exército na localidade chamada Imbaubal e a emboscada na região da Gameleira, em 24 de novembro de 1973, em que “cairia” junto com outros dois guerrilheiros.
Surpreendidos por três guias das Forças Armadas – Ioma, Baixinho e Cinézio – “Jonas”, o cearense Antônio Teodoro de Castro, o “Raul”, ex-estudante de farmácia e bioquímica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, desaparecido desde 24 de dezembro de 1973, e o capixaba Arildo Valdão, o “Ari”, estudante do Instituto de Física da UFRJ, foram emboscados numa grota enquanto abriam uma picada a facão. O primeiro a ser atingido foi “Ari”, que levou um tiro no tórax e morreu. “Raul” correu e foi atingido por um tiro nas costas. “Jonas” conta que com o impacto do tiro “Raul” caiu, rolou para a parte baixa do terreno e em seguida levantou, desaparecendo na mata. “Jonas” ficaria sabendo depois que a bala teria acertado um prato de esmalte que o guerrilheiro carregava na mochila presa às costas.
Encurralado, mas escondido, ele diz que teria assistido os guias cortarem a cabeça de “Ari” para levá-la à base militar – um procedimento comum entre militares e mateiros que caçavam os guerrilheiros. Os corpos eram abandonados no local, enterrados ou não, e a cabeça era levada para identificação. “Diante dos meus olhos, decapitaram o ‘Ari’. Amarraram pés e mãos e penduraram num vara-pau. Saíram dizendo que queriam a minha cabeça, que na época já valia CR$ 5.000,00”, relata “Jonas”. A descrição do ex-guerrilheiro coincide, em parte, com o capítulo do “Relatório Arroyo” que descreve a decapitação de “Ari”.
“No dia 24 (novembro de 1973), quando voltavam de um contato com a massa, os companheiros ‘Ari’, ‘Raul’ e ‘Jonas’ pararam próximo a uma grota. ‘Ari’ e ‘Raul’ se aproximaram das mochilas. Ouviu-se um tiro e ‘Ari’ caiu. Em seguida ouviram-se mais dois tiros. ‘Raul’ correu. O comando do Destacamento BC, que também ouvira os tiros, enviou quatro companheiros para averiguar o que aconteceu. Esses companheiros encontraram o corpo de ‘Ari’ sem a cabeça. Sua arma, rifle 44, seu bornal e sua bússola tinham sido levados. As mochilas de ‘Ari’, ‘Jonas’ e ‘Raul’ estavam lá. ‘Raul’ voltou pela manhã ao acampamento e ‘Jonas’ desapareceu”, escreveu Ângelo Arroyo.
No mesmo trecho fica no ar uma dúvida que só agora se desfaz com o depoimento de “Zezinho do Araguaia”: o ex-dirigente guerrilheiro escreve no relatório que “houve suspeitas de que o assassino de ‘Ari’ fosse Jonas’.” “Zezinho”, que acompanhou todas as fases da guerrilha e estava sempre ao lado de Arroyo – foi ele quem retirou o dirigente da mata, até entregá-lo ao comando do PC do B em São Paulo, em 1975 – garante que a suspeita levantada foi um lamentável equívoco.
Prisioneiro do passado
“Conheci o ‘Jonas’. A suspeita não tem fundamento. Houve uma falha de Arroyo por não ter concluído o relato sobre o episódio. Depois do tiroteio, ‘Raul’ e ‘Jonas’ correram para lados diferentes, tentando sobreviver”, afirma “Zezinho”, que hoje ainda busca informações para elucidar as questões relacionadas à Guerrilha do Araguaia. “Raul” retornaria ao acampamento no dia seguinte, enquanto “Jonas” teria se perdido na floresta. O sumiço de “Jonas” e a suspeita de que teria eliminado um companheiro, de acordo com a narrativa de Arroyo, levaram o comando militar a desmontar o acampamento, apagar as pistas e se estabelecer com os sobreviventes numa outra região, conhecida por Palestina. Na época ainda restavam 32 guerrilheiros.
“Jonas”, que admite nunca ter entendido direito a causa pela qual lutou, dá sua versão para o que aconteceu: “Depois daquele dia desmembrei-me completamente do bando, já que via meus companheiros sendo exterminados um a um. Por causa daquelas cenas que presenciei, sozinho no mato, passei sessenta dias perdido e enlouquecido sem saber o caminho de casa e como encontrar o bando que esperava o nosso retorno com o mantimento. Após ter voltado ao meu estado normal, sobrevivendo unicamente de frutas e jabutis, todo maltrapilho, barbudo, consegui sair no igarapé Pau Preto, que banhava as terras do meu pai, onde fiquei sabendo por minha madrasta e minha irmã, Celina, tudo o que tinha acontecido com ele. Vendo os seus sofrimentos, a pobreza que estavam, resolvi me entregar, já que não encontrava outra solução”, conta.
“Jonas” procurou um vizinho, Constâncio, e os dois seguiram para a base militar de Xambioá. O ex-guerrilheiro diz que foi recebido “cordialmente” e logo seu pai, José Gonçalves, foi solto. Depois de alguns dias de prisão, com o depoimento “salvador” prestado por Tobias, passou a trabalhar na cozinha e em serviços gerais na base militar, mas nunca pode receber a visita de parentes. No final de 1974, em data que diz não lembrar, foi liberado e voltou para casa. Ainda encontrou o pai vivo, mas muito doente e fraco por causa da tortura que havia sofrido. “Ele jamais se recuperou”, escreveu no relato que será entregue à Secretaria de Direitos Humanos. Traumatizado e com seqüelas, morreu em 1982. As lavouras de subsistência haviam sido destruídas e a família vivia na miséria.
Fustigado pelos caçadores de recompensa, “Jonas” conta que se viu obrigado a deixar a casa da família, em São Geraldo do Araguaia. “Mesmo me dando a liberdade, fizeram essa covardia comigo e não retiraram a recompensa.” Só retornou à casa da família dezessete anos depois, mas ficou apenas oito dias no convívio com os irmãos. O medo de represálias o levou de volta à clandestinidade, perambulando de fazenda em fazenda. Só no ano passado, protegido por amigos, voltou a São Geraldo para contar a sua versão aos ativistas que hoje cuidam de resgatar a história da Guerrilha do Araguaia. Embora tenha pedido que sua história seja encaminhada ao Ministério da Justiça, circula com discrição.
“Ele ainda tem muito medo. Fala que até hoje é perseguido”, diz Celina Gonçalves de Sousa, prima e irmã de criação. No relato dela, Josias, que tem dez filhos, é um homem que vive torturado pelo medo: chegou a mudar de nome, troca freqüentemente de endereço e sempre aparece sem avisar. O encontro mais recente entre os dois foi em 10 janeiro, em São Geraldo do Araguaia. “Jonas” esperava se encontrar também naquele dia com “Zezinho”, mas, como o ex-companheiro de luta armada não pôde viajar, retornou no dia seguinte para casa, numa área rural do município de Novo Repartimento, no Pará. “Zezinho” diz que vai encaminhar o caso à Comissão de Anistia nos próximos dias, com um pedido de inclusão do nome de Josias no programa de proteção a testemunhas.
(*) por Vanconcelo Quadros. AQUI
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Postado
por Ana M.C_Portugal
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sexta-feira, janeiro 14, 2005
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[22:32]
CRISE NA RORAIMA A imprensa, os índios e os brancos (*)
Os atritos envolvendo populações indígenas e proprietários rurais, no Mato Grosso do Sul e em Roraima, têm raízes tão antigas quanto a formação do Brasil, embora muitos queiram enxergar no conflito interesses localizados.
A mídia, quase sempre distanciada desses temas, a não ser quando é provocada por manifestações de descontentamento, contribui com sua cota involuntária de exotismo.
Urucum, semente fartamente utilizada por povos indígenas como fonte de tintura vermelho-sangue, pode ser chamada de "árvore", quando o urucuzeiro, a planta que produz o urucum não passa de um arbusto.
Pequenas peças de bambu, galhos improvisados para uma manifestação se transformam em "bordunas".
Borduna é um instrumento sólido e pesado, em madeira densa, usado para defesa e ataque, normalmente por povos que não fazem uso de arco e flecha.
E, claro, sempre alguns repórteres ficam "retidos" e "ameaçados".
Ao longo de uma história em que sempre levaram a pior, as populações indígenas aprenderam espertamente a conviver com a mídia. E fazem suas cenas. É parte de uma estratégia antiga. Nem sempre são compreendidos nesse ritual que objetiva uma estudada intimidação.
Os jornais, especialmente, não têm, neste momentos, repórteres capazes de trazer para a redação trabalhos mais profundos, capazes de dar inteligibilidade possível a esses acontecimentos. Não porque não existem talentos capazes disso. As redações é que não estão interessadas.
As redações querem histórias curtas e objetivas, com começo, meio e fim. E quanto mais fútil, melhor. É como se houvesse desinteresse ou ceticismo quanto à inteligibilidade. Como se fosse uma descortesia convidar o leitor a refletir. Parte-se do pressuposto de que todos têm muita pressa e não sobra tempo para pensar.
Essa profunda alienação contemporânea tocou fundo homens como Nietzche e Ortega y Gasset, entre muitos outros, e os prognósticos que eles fazem disso não são nada animadores. Não há chance alguma numa vida alienada.
Fazendas enormes
Com freqüência se lê ou se ouve de representantes de agropecuaristas vizinhos de populações indígenas que esses povos têm terras em excesso.
Comparada a uma propriedade rural tecnificada, com tratores, pesticidas, sementes melhoradas ou rebanhos promissores, as terras indígenas podem parecer excessivas.
Mas índios não são fazendeiros convencionais.
A terra é a fonte de onde retiram seus sustentos, em caça, pesca, coleta ou plantio de frutos e outros alimentos básicos, como a mandioca e o milho. Mas a terra se confunde com eles. Não é um bem no sentido monetário, ou de prestígio social, como acontece na sociedade exterior.
Os índios são parte da terra e, confinados como um fazendeiro deixam de ser índios sem chegarem a ser "brancos". Sem a terra eles não podem existir.
Da forma tradicional como vivem, os povos indígenas necessitam de grandes áreas. Muitos deles são nômades e as longas caminhadas que fazem, alterando terras baixas e altas, dependendo de secas ou chuvosas, são, de alguma forma, o motivo de estarem no mundo.
O que estamos fazendo no mundo?
Faça uma pergunta como essa a um fazendeiro "branco" e raramente você ouvirá uma resposta comovente. Não porque os fazendeiros sejam necessariamente estúpidos. Mas porque eles pensam em termos monetários. Só assim podem ser fazendeiros.
Índios e fazendeiros são espécies que não se confundem. Isso é o que quero dizer. Por isso não podem ser comparados. Não há sentido em se tentar comparar fatos incomparáveis.
No Mato Grosso do Sul, índios de várias etnias invadiram fazendas no município de Japorã e proximidades, argumentando que estavam apenas retornando aos seus antigos territórios. Estão corretos. Mas terão que negociar essa posição com os fazendeiros locais que, na verdade, podem ser empresas com nenhum vínculo com a terra.
Multinacionais, como fabricantes de automóveis, são proprietárias de enormes fazendas no Brasil.
Claro que isso não é contra a lei. Mas a lei, muitas vezes, é apenas um escudo. Um disfarce para explorações nada legais, como sugere a Operação Anaconda, que, neste momento, levanta dos podres de meritíssimos representantes da lei.
Não é ilegal, mas é imoral. E contra isso podem se bater todos os advogados com suas falas eloqüentes e cheias de parábolas.
Como crianças
Boa parte das terras hoje regularizadas, em estados de ocupação recente, como o Mato Grosso do Sul, subdivisão do antigo Mato Grosso, foram obtidas no boca do fuzil. Ou pela negociata, favorecimento e pura corrupção. Por isso o argumento de que são portadores de escrituras não deveria bastar para assegurar a pretensão de muitos proprietários. Especialmente se estiverem respondendo aos índios, proprietários históricos de todas essas terras do Brasil.
Alguém, mais cínico, pode argumentar que um raciocínio desse faria com que devolvêssemos todas as terras aos índios e voltássemos de carona para as terras de onde vieram nossos próprios ancestrais.
Claro que é puro cinismo. Pode ser até divertido. Mas, por muitas e diferentes razões, é inteiramente inconsistente.
A população indígena brasileira hoje não passa de 325 mil indivíduos. Mas já foi muito menor em meados do século passado.
Há quem sustente que à época da chegada de Cabral e seus homens o Brasil tinha uma população de 5 milhões. Há muitos caminhos, da lingüística à pesquisa arqueológica, além de outras referências históricas, para se aceitar um número desse porte.
Eliminamos boa parte por "espingardeamento", para usar uma expressão corrente em Darcy Ribeiro. Fizemos desaparecer um outro tanto por transmissão intencional de doenças como a varíola. Transmitimos enfermidades ingênuas aos nossos olhos e letais para os organismos desses povos, como a gripe.
Escravizamos em nome de Deus e exigimos que eles se cobrissem, abandonassem as habitações coletivas e consumissem açúcar e café. Depois tentamos voltar atrás e rimos deles pelo apego ao café, ao açúcar e por gostarem de balas de caramelo. Dissemos a eles, como dizemos às crianças, que as balas estragam os dentes e são prejudiciais à saúde.
Na verdade, não sabemos quase nada dos nossos índios. Por isso os repórteres se referem a um pedaço de bambu, um galho improvisado para uma demonstração, como "borduna", quando borduna, de fato, é uma outra coisa.
Terra sem lei
Os índios muitas vezes se divertem com isso. E muitas vezes choram por essa nossa incompreensão. Já vi líderes indígenas respeitados levarem seus jovens às lágrimas pelo relato do que viram no passado. De bom e ruim.
Vi Prepori, líder dos Caiabi, no Xingu, sonhar com olhos abertos com as terras que não existem mais em localidades como Alta Floresta, no Mato Grosso, uma das muitas cidades que nasceu do garimpo e depois trocou o ouro esgotado pela pata do boi.
Ouvi Aritana, dos Yalapiti, expressar o temor de que os jovens se enfeiticem com o mundo dos brancos e desistam de ser índios.
Já escutei Davi Kopenawa, na Ianomâmi, falar de seus mitos incompreendidos enquanto deslizávamos por uma estrada lamacenta cortando a selva como uma serpente comprida, entre o Brasil e a Venezuela.
Em nenhuma dessas vezes me orgulhei de ser um "branco".
Também já estive na bela reserva de Raposa Serra do Sol, que o ministro Thomaz Bastos promete homologar ainda este mês. Posso dizer o óbvio: a situação é complicada nessas regiões de fronteira da ocupação, como é o caso de Roraima.
A sede da localidade de Uiramutã, por exemplo, foi provocadoramente plantada no meio de uma aldeia indígena. Os índios reclamaram, inclusive com hostilidades, mas isso não bastou.
Os jornais dizem que as populações indígenas estão divididas em Raposa Serra do Sol quanto à demarcação contínua (incluindo fazendas e povoados) e não contínuas (recortando essas ocupações).
Por tudo que vi, sei que essa "resistência" passa pela manipulação de proprietários agrícolas, os mesmos que fizeram os postos de combustíveis de Boa Vista suspenderem as atividades. Os mesmos que paralisaram as estradas por dois dias inteiros. Os mesmos que estão habituados a ditar a lei que lhes convém, em nome do mercado, da modernidade e uma série de outros motivos que, no fundo, só interessam a eles próprios.
E em Roraima não estamos falando de "índio bom" e "branco malvado". Estamos falando de terras sem lei. Lei no sentido de expressão de um contrato social que assegure o bem-estar comum. Ao menos desde que, no século 16, o papa reafirmou, em Roma, que "índios também são humanos".
(*) por Ulisses Capozzoli. AQUI
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Postado
por Ana M.C_Portugal
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sábado, janeiro 01, 2005
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[21:44]
BEST OF 2004
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Postado
por Ana M.C_Portugal
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