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UMA ESTRADA À MARGEM DA HISTÓRIA (*)
23.02.2005 Um dia, o Governo Federal achou por bem traçar duas estradas, uma de norte a sul, outra de leste a oeste, cruzando a Amazônia. Ao longo dos anos 70 e 80, ainda durante o Regime Militar, espalharam-se à beira de ambas, principalmente da que ia de Cuiabá a Santarém, uma série de colônias. É neste entorno que ocorrem os conflitos que levaram à morte a irmã Dorothy Stang.
Com a democracia e a pressão ecológica, quem foi para lá se transformou em transtorno – e vilão. Com ou sem motivos, o Estado faltou com suas promessas. Para conhecer a situação, NoMínimo foi a Guarantã do Norte, última cidade de Mato Grosso antes da divisa com o Pará.
A situação fundiária é tão confusa que, ainda hoje, Mato Grosso e Pará disputam a posse de 2,4 milhões de hectares – cada hectare são 10 mil metros quadrados – nos arredores. Embora diariamente o cartório de Guarantã registre compras e vendas de terrenos, quase ninguém tem título de propriedade. Oficialmente, as terras amazônicas, não apenas de lá, pertencem à União.
E, em toda a região, a história começa pela estrada que faz seu canto de chamado ao norte, onde a terra é muita. Assim como a morte.
Murillo Valle Mendes estava atrasado. Reunidos na sede do Lions Clube, os empresários mordiscavam ansiosos os comes do bufê, a festa preparada, os envelopes lacrados com propostas. Mas Murillo não chegava. Num canto do salão, Samuel Mendes – seu sobrinho, ou filho, ninguém sabia ao certo – tentava contato telefônico. Não conseguia. Devia estar voando ainda. A meia hora de atraso virou uma, então duas. Três.
Samuel havia chegado fazia uns quinze dias a Guarantã do Norte, a última cidade em Mato Grosso antes da divisa com o Pará, a 725 quilômetros de Cuiabá. Consigo, trazia tratores alugados na região, caminhões, um sorriso e o crachá da Mendes Júnior. Registrou-se no hotel, explicou que cuidaria da pavimentação da BR-163. Sua empresa ganhara a concorrência. Algo a ver com as PPPs do governo Lula – era obra grande. No trecho mato-grossense da estrada, ainda são uns 20 quilômetros de terra na estiagem, lama na chuva, serviço para uns 14 milhões de reais.
Pedro Doria
Uma madeireira a pleno vapor atrás da prefeitura Samuel não parou de trabalhar um segundo durante os últimos quinze dias de janeiro. Colocou anúncio procurando pedreiros e serventes, contratou tantos quanto apareceram. Então, no lado paraense, começou a erguer o acampamento. Acordou a compra de um hotel para os engenheiros e executivos da empreiteira, com um cheque da dona do hotel adquiriu uma farmácia para dar apoio às obras e tratou de levar os medicamentos para o posto avançado.
Visitou a cooperativa Cira Braço Sul e fez uma proposta à diretoria. Teriam a exclusividade no fornecimento de leite e queijos para o restaurante do acampamento, a licitação seria ajeitada para isso, mas em troca precisariam oferecer uma ajuda de custo – 10 mil reais. Visitou cada loja de material de construção, cada empresa de telefonia, de elétricos – visitou quem pôde e, para quem aceitou, quase todos, sugeriu acertos equivalentes, invariavelmente maiores.
Uma certa aura de felicidade, contágio pela simpatia de Samuel talvez, ou pelo alívio de que o pesadelo da lama estava para chegar ao fim, espalhou-se pela cidade. E ele parecia ter gostado de Guarantã, até comprou uma fazenda. Não que fosse tudo em paz – uma equipe da emissora local da Record foi expulsa do acampamento aos berros. Samuel só dava entrevista à Globo. Mas era para o bem.
E enfim conseguiu contato com o telefone do presidente da Mendes Júnior. Tinha sido uma pane no avião, algo assim – estava parado em Sinop. Samuel Mendes pegou o carro para buscá-lo e nunca mais voltou. Levou 1,5 milhão de reais consigo, carteiras de trabalho, pilhas de caixas de remédio. Na empreiteira, ninguém sabe de qualquer contrato para pavimentação da estrada.
Uma terra sem homens
Pedro Doria
Táxis usam o sinal perpendicular para correr na estrada A estrada: 3.995 quilômetros que cortam o mapa brasileiro do Rio Grande do Sul ao Pará, 1.760 quilômetros no trecho Cuiabá-Santarém, o maior corredor de escoamento do país. É por ela que segue para o mundo boa parte da soja que engorda o PIB, é em suas bordas que alguns dos piores conflitos agrários acontecem, nos seus arredores caiu morta a irmã Dorothy, como caem milhares de anônimos. Foi ela que embalou no rumo norte o sonho militar do Brasil Grande. Integrar a Amazônia para não entregar. Uma terra sem homens para os homens sem terra. Uma cicatriz de barro e asfalto ao longo da maior floresta tropical do mundo, sem a qual o Brasil não seria viável economicamente.
Guarantã do Norte é como todas as cidades amazônicas à beira da Cuiabá-Santarém – da BR, como a chamam. Os humores do povo vêm e vão de acordo com as chuvas, com a trafegabilidade. A cidade, como algumas ao sul, como tantas ao norte, foi criada para que a estrada existisse. Em 2004, um único pequeno fazendeiro perdeu 700 mil reais em soja porque os caminhões não atravessaram a lama em tempo. Na pequena delegacia civil, há uns risinhos de corredor por conta da história de Samuel Mendes – risinhos que disfarçam a compreensão. Não há tanta ingenuidade, outros golpes não vingariam – mas este envolveu a estrada, sua esperança mais cara.
A marca da estrada, o contraste entre lama e asfalto, sente-se em cada veículo. Nas picapes, melhores e piores, que circulam pela cidadezinha. Nos táxis. Nenhum apresenta o sinal TÁXI no capô paralelo ao pára-brisa; estão todos de lado, quem vê o carro de frente não lê. Os motoristas mais jovens surpreendem-se ao descobrir que no resto do mundo é diferente. Mas fica ali, perpendicular à frente mesmo, para que o vento não o leve longe quando está na estrada a 110 por hora ou mais. O asfalto pouco dá sede de correr. Todos correm.
A marca está também nas motocicletas – o segundo veículo de quase todos é uma moto e, porque quem usa o segundo veículo costumam ser as mulheres, às vezes parece, de cada três motos, duas têm uma mulher no comando. Mas a experiência da estrada encontra-se, principalmente, nos inacreditáveis jericos. São carros artesanais, como que carroças levadas a motor de diesel, a partida muitas vezes dada pelo puxar de uma corda, pedais de madeira, volantes e marchas de carro velho, uma lona que proteja da chuva. É a picape dos pobres que atravessa a lama que carro popular não enfrenta, seu motor faz um po-po-pó na combustão que serve de trilha sonora para Guarantã.
A BR é como a linha de trem no faroeste que faz seu chamado. Se no faroeste americano as ruas eram de chão, mas nos saloons as moças vestiam veludo francês, algo parecido ocorre aqui. Em tudo quanto é lugar em que se entra em Guarantã, estão lá um ou mais computadores ligados à Internet por banda larga. Rarissimamente os monitores têm tubo de imagem. São flat, a última tecnologia que na cidade seria um luxo. Não é uma cidade descolada da modernidade: todos têm celular, tevê a cabo e, quando há dinheiro, ar condicionado. É quente no verão, de um calor desagradável, úmido, que empapa a roupa mesmo de quem não está se mexendo. Um armário embutido para a cozinha feito de mogno sai por uns 700 reais. Afinal, na linha do horizonte ao redor todo, sólida, intransponível, fica a mata.
Só é intransponível por impressão. Há 25 anos, Guarantã do Norte não existia. Era Amazônia fechada. Há 35 anos, enquanto o resto do Brasil celebrava o tri no México, caminhavam desconhecidos por aquela mesma terra os índios kreen-aka-rorê, ou panarás, que tinham parca idéia da existência de uma gente diferente no além mata. Aí veio a estrada. Então, os colonos. Vieram o ouro, a malária, as madeireiras, o gado, a soja; os garimpeiros, os posseiros, os pistoleiros, os grileiros, os grandes proprietários, os sem-terra. E, no fundo, todos parecem ter sido um pouco de tudo em algum ponto de suas vidas: sem-terras, garimpeiros, posseiros, grileiros, proprietários.
Primeiro contato
Pedro Doria
BR-163: embalando os sonhos rumo ao norte Quando Cláudio Villas Bôas atravessou o rio Peixoto de Azevedo no dia 2 de fevereiro, em 1973, tinha 57 anos. Na margem para a qual se dirigia, ariscos, um grupo de panarás o esperava – Cláudio oferecia uma faca de presente. Queria dar-lhes pessoalmente, eles preferiam que a depositasse numa árvore para pegarem-na. Não falavam nenhum dos dialetos que o antropólogo conhecia. Um encaixou flecha no arco, esticou a corda – outro mandou que baixasse a arma. Cláudio fingiu machucar o pé, caiu no chão ganindo. Curioso, um terceiro panará aproximou-se. Cláudio o abraçou. Do outro lado do rio, seus companheiros de expedição riam. Era alívio da missão cumprida.
Uma longa missão. Os panarás tentaram contato pela primeira vez em 1967, quando se aproximaram em grupo de uma pista de pouso na Base Aérea do Cachimbo, alguns quilômetros ao norte dali. Um militar desastrado, achando que se tratava de ataque, abriu fogo – eles debandaram, alguns mortos. Ficaram mais ariscos do que já eram. Mas, quando o governo Médici anunciou os planos conjuntos de traçar duas grandes estradas, uma de leste a oeste, outra de norte a sul, cruzando a Amazônia, o isolamento teria de chegar a um fim. Os operários empregados na Cuiabá-Santarém fatalmente cruzariam seu caminho e o resultado desse encontro traria conseqüências imprevisíveis.
A missão de contato coube aos irmãos Orlando e Cláudio Villas Bôas, fundadores do Parque Nacional do Xingu, talvez os maiores conhecedores das coisas indígenas. A expedição teve início em janeiro de 1972, quando as obras da estrada, tocadas pelos 8o e pelo 9o Batalhões de Engenharia e Construção, já estavam iniciando. Um operário chegou a ser flechado na perna – e o governo não admitia qualquer atraso. Os tratores, as serras-elétricas, estava tudo em franca operação. Quando o presidente Ernesto Geisel inaugurou a Cuiabá-Santarém, em outubro de 1976, os índios já haviam sido transferidos para o Xingu, o leito da estrada fora elevado, tudo devidamente terraplanado – mas em quase toda extensão só havia mato ao redor. E, até hoje, apenas 40% do percurso está pavimentado.
Nos anos seguintes, veio o esforço de colonização – em Guarantã, os pioneiros chegaram entre o final de 1980 e meados de 81.
PARTE II: A MORTE
A irmã Vanda Heleusa vira as páginas de seu caderno de espiral, as pontas das folhas amareladas pelo tempo. Irmã Vanda sorri, um sorriso plácido de que nada pode incomodá-la, de que está em paz e que ajudará em todo o necessário. Sempre. “Mortos, mortos”, ela balbucia para si mesma e vira as folhas, leva polegar e indicador aos lábios para umedecê-los e tornar a virar: “Está por aqui, eu tenho esses números, lembro que anotei”. E então a tabela se mostra: natimortos, causa malária, outras causas, homens, mulheres, crianças, até 81, até maio de 82; e, além da tabela, uma longa lista de nomes, cada um com data ao lado. Cada nome.
O plasmódio só existe onde há calor, mosquitos anófeles e gente. Na saliva do mosquito fêmea, o protozoário se reproduz e toma forma de esporos. Perante contato com sangue humano, os esporos seguem para o fígado, onde se dividem, passam por uma metamorfose e de lá são bombeados coração afora. Pouco após uma semana da picada, vêm as dores de cabeça, no corpo, o fígado começa a processar violentamente, enche-se duma bile escura – vômito preto. Febre, tremores. Falência hepática, renal, líquido nos pulmões, convulsão, coma. Morte. Não havia hospital.
Em finais dos anos 70, as Irmãs Dominicanas de Nossa Senhora do Rosário viviam no Mato Grosso do Sul, perto da fronteira com o Paraguai. Centenas de famílias brasileiras ocupavam terras arrendadas no país vizinho, uma crise que se incrementava a cada segundo. O general Alfredo Stroessner as queria fora. Na virada para 1980, as irmãs escreveram ao general João Figueiredo pedindo ajuda – notícia de ajuda chegou na Páscoa.
“Quando cheguei lá, chamei as irmãs e falei, 'gente, vocês pensem duas vezes, porque tem malária, é mato fechado', e aí, quando elas vieram, e vieram uns homens para conhecer, levei eles no garimpo, mostrei o lugar, já tinha a Cotrel, e o pessoal achou bom, quis vir.” Aos 53 anos, José Humberto Macedo é o prefeito de Guarantã do Norte – e nome do estádio municipal. Em finais de 1980, ele tinha 25 anos, era o executor do Incra no Projeto de Assentamento Conjunto Incra-Cotrel, o homem do governo federal naquele cantão da Amazônia.
Os primeiros a vir, em dezembro de 80, não foram os brasiguaios, foram gaúchos de Erechim, cujas terras Brasília fez alagar para a construção da Barragem de Paço Real – não havia obra pequena no tempo militar. Faziam todos parte de uma cooperativa, a Cotrel, e a Cotrel criou filial no norte do país para fornecer algum tipo de infra-estrutura aos associados. Cada uma das 1.200 famílias gaúchas ganhou um lote de 100 hectares para desmatar, semear, erguer casa e viver à beira da Cuiabá-Santarém.
“A irmã Cleunice que teve a idéia de a gente acompanhar os brasiguaios, ela disse que se alguma outra das irmãs acompanhasse ela ia também, a irmã Glícia falou que vinha e uma sobrinha dela, a Maria Lúcia, estava procurando alguma coisa e quis vir e eu morava no sul, na época, num seminário, e acabei topando a parada”, lembra irmã Vanda. “Porque a gente tinha participado desse processo de encontrar um lugar, não é? - e então a gente sentia que tinha uma responsabilidade nisso. Aí passamos 80 preparando a mudança, dividindo os grupos e, essa foi uma idéia da irmã Cleunice, em cada grupo ela procurava botar alguém de mais estudo porque aquela seria a professora, você vê, as crianças só perderam o ano de 81, em 82 já tinha escola. De dois em dois dias, quatro ônibus vinham, a estrada era de terra ainda, e começamos a chegar em junho de 81. Até setembro foi terrível.”
No total, o Incra assentou 500 famílias de brasiguaios, 2.177 pessoas. Em uma semana, veio a febre. Quase todo mundo teve. Quase toda família perdeu alguém. Em duas famílias, morreram pai e mãe. Numa delas, a criança mais nova não tinha 10 anos. Os primeiros caixões, fabricavam-nos com madeira de lei. Depois davam as tábuas para que as famílias construíssem elas próprias. No fim, enterravam os corpos embrulhados em lençóis. Primeiro enterraram nos próprios lotes, depois o executor José Humberto demarcou uma área para o cemitério – em um ano, parecia plantação de cruzes. Antes do primeiro ano bom: 10 adultos, 4 adolescentes, 21 crianças, 49 natimortos. Ninguém chega a uma conclusão a respeito do número final. “Mas, para cada morto, nasciam dez” emenda o prefeito. Ele se casou com a menina Maria Lúcia, sobrinha de uma das freiras.
Corpos, urubus e orgias
Pedro Doria O Estádio Municipal, que leva o nome do prefeito Após o primeiro contato com os panarás, em inícios de 1973, tudo pareceu festa. Pelos cálculos dos irmãos Villas Bôas, a população indígena descoberta nos arredores do que seria Guarantã do Norte poderia ter algo entre 300 e 600 pessoas espalhadas por dez aldeias. Começaram a morrer de gripe. De malária, índio não cai, mas o gripado de branco e de preto leva das dores do corpo à febre, à morte. Assustados, sem entender exatamente o que se passava, não enterravam os corpos, largavam-nos para urubus e abandonavam aldeias, acuados.
Quando começaram a morrer às dezenas, acendeu a luz vermelha na Funai e teve início a briga política. Cláudio Villas Bôas, que tinha feito o contato, foi destituído da responsabilidade e retornou ao Xingu. Ele e o irmão Orlando queriam férias – foram para o Japão. Embora ainda não inaugurada oficialmente, em 1973 mesmo a BR-163 foi aberta ao tráfego – e “O Globo” flagrou, na primeira página, uma índia panará pedindo biscoito a um motorista de ônibus. Desestruturaram-se – não queriam plantar, pedir comida era mais fácil.
E então veio o sexo. Índias, seduzidas pelos homens do Batalhão de Engenharia e Construção, terminavam em suas camas. Morriam de gripe, tinham diarréia por conta do açúcar que não conheciam e não queriam deixar de comer, morriam ao chegar em casa pelas mãos dos maridos enciumados. E depois das mulheres, foram os homens. Um sertanista, empregado da Funai, dentre os sucessores de Cláudio Villas Bôas, foi acusado em relatório oficial de apresentá-los à homossexualidade. Orgias no meio da mata. Muito rapidamente após a festa do primeiro contato, a situação dos panarás deteriorava-se a olhos vistos.
De volta do Japão, Orlando e Cláudio entregaram-se ao jogo de gabinete, de corredores do Planalto. Queriam trazer os panarás para o Xingu, a alguns quilômetros dali. Nem todos os indigenistas achavam boa a idéia de tirá-los da região com a qual estavam acostumados. Mas, em janeiro de 1975, exatos dois anos após a travessia do rio Peixoto de Azevedo por Cláudio para o primeiro abraço, os panarás deixaram sua casa em aviões do exército. Sobravam 79 dos 300 a 600 iniciais.
Ao longo de toda a década de 80, sua existência no Parque Nacional do Xingu foi sobrevivência e pouco mais. Na recepção, para o cumprimento, estava o chefe Raoni dos caiapós, seus inimigos tradicionais. Sentiram-se implorando por casa. Como eram muitas as mulheres, homens de outras tribos requisitaram-nas para casar. Os homens panarás encolheram-se. A taxa de natalidade caiu. As frutas com as quais estavam habituados, as carnes que comiam, não tinha nada do tipo no Xingu, outro ecossistema. Os rios tinham peixe pouco e diferentes. Arrancados da vida semi-nômade que tinham havia centenas de anos, foram lançados repentinamente no século 20. Parecia que rumo à extinção.
Ciclos econômicos
Na terra que largaram, as novas colônias não tinham vida mais fácil. Nos primeiros anos de Guarantã do Norte, o gerador que fornecia energia ficava ligado até às 22h, fora nos picos de malária. Então, para que irmã Vanda Heleusa checasse cada lâmina ao microscópio, deixavam mais tempo de luz. Os colonos foram para plantar, mas o chamado do ouro foi mais forte. Estava lá, na beira dos rios, bastava cavucar a terra que tinha ouro, houve quem não precisasse sair do próprio lote para garimpar.
E com o ouro, além da riqueza, vieram as boates – que não são lugar para dançar, são prostíbulos –, a falta de higiene no garimpo de homens amontoados uns sobre os outros. Na primeira rua de Guarantã, abriu-se um corredor de lojinhas de Compro Ouro. Maridos largaram suas famílias, passaram a beber, e fazia calor o verão todo, todo verão, que era o momento de a malária correr sua foice. Sentado à sua mesa, o presidente local do Sindicato dos Trabalhadores Rurais dá um suspiro. Valter Neves de Moura tem 35 anos, veio criança. Hoje é ligado ao MST, mas foi como todos, grileiro, posseiro, garimpeiro. “Sabe, a gente que é daqui vê: a floresta tem seus segredos, ela também sabe se defender.”
Quando o preço do ouro despencou, rumo aos anos 90, quando já era preciso cavar um metro ou mais para encontrá-lo, vieram as serrarias – o ciclo das madeireiras. Entrava um sujeito na mata, marcava as árvores boas, vinha depois a equipe das motosserras. Até hoje, toda hora chega alguém e põe anúncio no rádio local angariando braços. O responsável chega com um topógrafo no meio da mata, diz que é para cortar 40 quilômetros num sentido, quarenta no outro, fecha o quadrado – põe abaixo.
Em 2004, onze trabalhadores de Guarantã contratados para o grilo estavam calmamente derrubando um naco de Amazônia quando se depararam com pistoleiros contratados por outro interessado na terra. Foram mortos todos.
Mas quando a morte não vem e já não há árvore que preste, taca-se fogo, a cinza que sobra fertiliza – a terra vira capim para pasto ou, se não tiver morro, é boa para cereal, para arroz, para soja. Está no fim o ciclo econômico das madeireiras e no início o da nova febre: a soja, do PIB, da balança comercial, do Brasil que está crescendo. Quando a morte do homem não vem, quem morre é a mata.
Duzentas cruzes
Pedro Doria Dona Loredana: dolorosas memórias da colônia Loredana Balbinot tem 37 anos – mas antes precisa fazer a conta para lembrar. Usa seus cabelos negros bem curtos, tinha 13 anos quando chegou com a família a Guarantã. Prosperaram. Ela, que era a mais velha, hoje é dona da principal farmácia: a Farmácia Catarinense. Seus dois irmãos homens são fazendeiros, as irmãs formaram-se todas, uma é médica. Loredana recorda:
“A gente morava na divisa do Paraguai, em Mundo Novo, e o pai puxava tora, quer dizer, ele roubava madeira, né?, do Paraguai, só que as coisas estavam ficando difíceis e as freiras lá da pastoral fizeram um cadastro de 500 famílias para virem para cá, o governo deu a terra para as freiras, e o pai veio aqui em maio de 81. Em julho ele voltou para buscar a gente, a mãe e sete filhos.”
“Isso aqui tudo era mata. A gente fez uma casa de palmeira, tinha muita palmeira de palmito aqui, e, como era época de seca, a gente fez essa casa de palmeira, com chão de terra mesmo. Dormíamos na tarimba, que é uma esteira de palmito com palha e folha. Acho que a gente viveu uns seis meses assim, casa mesmo, mais direita, a gente só foi ter nuns três anos, quando o pai derrubou uns paus e melhorou a casa; com assoalho, demorou uns quatro anos.”
“Para comer a gente matava bicho do mato e plantava mandioca, milho, a gente já veio com as sementes. O feijão, o arroz, o óleo que a gente tinha trazido deu só pra uns vinte dias. Ia lá no vizinho para moer milho e dizia que era pro cachorro, que a gente tinha vergonha, mas era pra gente mesmo. Comia muito tatu e palmito, hoje não consigo nem ver palmito, tenho horror. De noite, aparecia onça pintada lá no barraco.”
“Então, teve um dia, acho que foi agosto, a gente chegou em julho e isso foi em agosto, a irmã Glícia foi perguntar pra mãe - o nome dela é Elita Camila, mas todo mundo chama a mãe de dona Carmen -, e a irmã Glícia disse ‘dona Carmen, a Loredana não quer trabalho?’, e eu fui lá prum hospital que tinha em Peixoto, ela levou umas oito meninas, e o médico topou comigo e disse ‘você tem cara de enfermeira’, acho que é porque eu era branquinha, que as outras eram moreninhas, porque ninguém tem cara de enfermeira, né?”
“Aí eu lembro que nunca tinha ganhado tanto dinheiro. Assim, eu tinha o costume, achei que fosse trabalhar de doméstica, e lá no sul, se eu ganhava um, aqui eu fui ganhar oito vezes isso. Lembro que, com o primeiro salário, comprei 12 latas de leite Ninho pra Fernanda, que é minha irmã. Ela nasceu em fevereiro; então, tinha o quê? Uns sete meses. Aí, com o segundo salário, foi uma porca, um saco de trigo, uns sessenta quilos, três galinhas e um galo, que também não adiantava ter galinha e não ter galo.”
“O pai derrubava mato pros outros, era disso que vivia. Aí, acho que foi no quinto ano da gente aqui, ele foi pro garimpo, mas antes ele construía escola pro Incra, era carpinteiro. Ele largou o garimpo rápido, montou uma serraria. Aqui não tinha médico, só ambulatório, e a nossa família deu sorte porque ninguém morreu de malária, mas acho que na nossa rua toda família perdeu alguém. Assim, das quinhentas famílias, depois duns três anos, acho que eram umas duzentas cruzes lá no cemitério. Até 93 ainda morria gente.”
“Mas o pai fez um dinheiro tanto que a nossa casa, era lá que tinha a primeira tevê, e isso deve ter demorado um tempão, era uma tevê preto e branco, a gente de noite tirava a bateria do caminhão e ligava nela, e vinha todo mundo ver televisão, mas às vezes as velhas queriam ver novela e o pai chegava bêbado e mandava todo mundo embora porque ele queria ver futebol. Mas não era bêbado que batia, não, ele ia dormir. Ele separou da mãe, faz o quê?, uns anos, só. Mas é engraçado que eles ainda moram um perto do outro.”
“No ano passado, teve aquele evento, um de slides, com as fotografias do início de Guarantã e a gente foi lá. Eu não sei, porque aquilo foi me dando um aperto, fui assim, me esquentando, abrindo a blusa, e não deu não, tive de sair.”
PARTE III: A POSSE
Em finais de 1991, um grupo de seis índios panarás retornou às terras que tinham deixado em 1975, pela primeira vez. O documentário norte-americano “Before Columbus” (“Antes de Colombo”) registrou a cena do encontro do chefe Akè Panará com um grupo de garimpeiros. Ele estava transtornado – seu discurso foi reproduzido no livro “Panará, a volta dos índios gigantes”.
“A gente ficava aqui, neste trabalho”, disse Akè, de borduna e cocar, “Eu estou vendo e não estou gostando nem um pouco. Esta terra aqui era nossa. E agora eles comeram. Agora está tudo feio. Eu estou triste de ver o que foi feito aqui, o que a mão do branco fez. O lugar onde eu nasci. Destruíram tudo. Isso aqui era parte da nossa terra. Aqui era uma terra boa. Eu não gosto do trabalho dos garimpeiros. Vocês mataram a floresta. O rio acabou. Acabaram os peixes. Aquilo que a gente viu, aquele lugar, do avião, vocês não vão para lá, não.”
Na viagem, Akè e os seus encontraram apenas um trecho da região onde viviam em que a mata ainda era considerável. Estavam preparando um projeto de reserva – queriam deixar o Xingu, voltar para casa. Mas o resto de sua casa, por toda parte, era barro enlameado de estrada, barro enlameado de garimpo, pasto de boi, plantação e até barro de nada, barro abandonado.
“Essa terra aqui, onde eu nasci, já foi. Lá, onde a gente viu, vocês não podem ir pra lá, não. Por que o chefe de vocês mandou vocês destruírem a nossa terra? O chefe de vocês tem que entender que vocês não podem ir pra nossa terra. Eu caçava aqui. Pescava aqui. Aqui era minha terra. Não é a terra de vocês. Se o chefe mandar branco pra lá, vocês acham que eu estarei de mão vazia? Não. Olha que eu estou aqui com a borduna. Eu não estarei desarmado se o chefe mandar vocês pra lá. Vocês comeram a terra aqui. Lá, eu vou estar com a borduna e nós vamos brigar. Olha esta terra, aqui. Eles comeram o lugar onde eu nasci. Tudo acabou. Eu vou explicar pro chefe dos brancos que vocês acabaram com tudo, com a floresta e com a água.”
Entre 1995 e 96, os panarás todos voltaram, uma nova casa demarcada entre os municípios de Guarantã do Norte e Altamira (PA). Em outubro de 1997, a Justiça deu ganho de causa aos índios panarás, num processo movido contra Funai e União para reparação de danos. Foi a primeira vez que um povo indígena venceu causa do tipo.
Jogo de máscaras
Geraldo Sehn tem 41 anos, 23 passados em Guarantã do Norte, última cidade antes do Pará na Amazônia mato-grossense. “Olha, nós viemos de 2.500 quilômetros para cá. Se quer nos tirar, vai ter de tirar no caixão. A gente não teve nenhum financiamento, abrimos isso aqui tudo no peito. Eu sou grileiro. O sujeito que vai hoje para o Pará e abre uma picada, é esse que quer terra mesmo, não são esses sem-terra aí. Porque ele vai lá, ele abre e planta. O fazendeiro, não, ele nem ocupa e já vai demarcando.”
Grileiro: o homem que chega numa terra aparentemente sem dono, desmata, ocupa, revende. Posseiro: faz o mesmo, mas planta ou põe gado – mora. Colono: chegou por convite ou imposição do governo federal. Fazendeiro: grande ou pequeno proprietário, não importa, produz em sua terra – que ganhou como colono, comprou de grileiro ou fez-se dono posseiro. Sem-terra: aquele que acampa na beira da estrada e vez por outra invade fazenda.
Na verdade, no fundo, nenhuma destas palavras parece importar muito. São usadas com flexibilidade, o grileiro confunde-se com o posseiro, com fazendeiro ou com o colono. Não raro, um lança olho interesseiro na terra do outro, na terra de ninguém. Ser grileiro, posseiro, fazendeiro ou colono é questão de momento da vida, não de fato consumado. E confundem-se todos até mesmo com os sem-terra, porque se é grileiro contratado por latifundiário para abrir picada num dia, feito o serviço, vai para a beira da estrada no outro erguer a bandeira do MST.
“Aqui em Guarantã, as coisas estão melhores, já não há tanta violência.” Geraldo Neves de Moura, 35, é presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, ligado à CUT e ao MST. “Já fui garimpeiro, desmatei irregularmente, hoje sou agricultor familiar. A gente já aprendeu a fazer as coisas, já sabe que não pode desmatar na beira de rio, já sabe como fazer a queimada só dum trecho sem comprometer a mata, a gente só faz queimada aqui depois do período seco, depois de duas chuvas. Mas, de vez em quando, ainda tem problema, ainda topa com pistoleiro. Lá em cima, no Pará, compara com Gaza. Não tem diferença.”
Em novembro último, justamente quando um grupo de técnicos chegaria para uma sindicância interna na sede do Ibama em Guarantã, as janelas laterais do prédio foram arrombadas, espalhou-se gasolina pelos arquivos. O incêndio lambeu tudo. As madeireiras acusam o órgão de corrupção, de que têm de dar dinheiro para conseguir licenças de venda mesmo quando legítimas. A investigação ainda corre na Polícia Federal.
Portarias e vacas leiteiras
Pedro Doria Vista aérea do que foi a Amazônia Dono de terra quase ninguém é – não com escritura lavrada em cartório e com selo da República. Na Amazônia, as terras todas são da União. Mesmo nos casos de colonos que tiveram suas terras submersas no Rio Grande do Sul, que foram indenizados com a promessa de 100 hectares no norte, título ninguém vê. E, sem título, não há como pegar empréstimo no banco. Como, sem título, ninguém tem qualquer segurança de propriedade, um pode invadir o que é do outro e, vez por outra, da briga sobram defuntos.
Alberto Cesário tem 65 anos. É o seu Betinho – fala mal: confunde concordâncias, troca o l pelo r, acusa o primário incompleto. Suas contas de cabeça têm velocidade atordoante, conhece profundamente legislação ambiental, burocracia sobre terras e seu negócio. Faz melhoramento genético em gado, vende embriões puros de origem, bicho premiado, tecnologia de ponta. É nervoso, talvez tímido – “às vezes pra falar dá uma tremedeira na barriga” – e preside o Comitê Pró Regularização Fundiária do Norte do Mato Grosso. Rapidamente explica que é coisa de fazendeiro, mas não tem nada a ver com a UDR – “a gente tem grande, mas também tem pequeno”.
“Sabe qual é o problema do título?”, seu Betinho pergunta para responder na seqüência. “Uma vaca boa produz 15 litros leite por dia, mas custa 1.500 reais cada. Uma vaquinha qualquer produz uns três litros. Se o sujeito compra cinco vacas boas e uma ordenhadeira mecânica, a filha dele, o filho, vão ajudar e ele vai produzir 75 litros por dia, vai vender o leite, vai fazer queijo, a gente tem uma muzzarela boa aqui, que vende no Rio, em São Paulo. Não é dessa muzzarela que esfarela, não. Mas, se ele só tem vaquinha fraca e não tem dinheiro para ordenhadeira, então ele não sai do lugar, fica sem dinheiro, o filho e a filha vão pra cidade, e na cidade vão ser o quê? Vão trabalhar em quê? Ela vai se prostituir, ele vai se meter com vagabundo. Sem título, não tem empréstimo, não tem vaca boa, o filho vai embora.”
É de Betinho uma das propostas que o governo mato-grossense fez ao Planalto, mas que não trouxe resposta. Em troca da regularização de suas propriedades, os fazendeiros deixariam 50% do total como reserva de mata virgem mais quaisquer nascentes ou caminhos de rio e, do que sobrasse, abririam mão de um percentual para assentamento de sem-terra. Em troca, teriam título. O MST gostou. Brasília diz que não pode.
Em fevereiro agora, os com-terra fecharam a Cuiabá-Santarém na altura de Guarantã do Norte para ver se recebiam uma resposta. Foram ignorados – estão pensando em fechar de novo. O problema é que, embora a Constituição de 1988 reconheça o direito às terras para quem já vive há muito num local, o mecanismo de repassar a posse ainda não foi regulamentado pelo Incra. Falta uma portaria. Ano passado, o próprio Incra ameaçou a retomada de quatro fazendas. Aí desistiram – se acontecer, ninguém diz com todas as palavras, mas terá sangue. Todo mundo sente a lâmina no pescoço.
Com o próprio punho
Pedro Doria Seu Betinho, ruralista: proposta agradou ao MST Há outra ameaça, vem do Pará. Poucos dias antes do assassinato da irmã Dorothy, o governador Simão Jatene enviou à Assembléia Legislativa um projeto-de-lei para o zoneamento do Estado. O Vale do Quinze, próximo a Guarantã, mas em terras paraenses, pode virar Área de Proteção Ambiental.
A região – 2,4 milhões de hectares – é disputada. Quem primeiro a descreveu foi o francês Henry Coudreau, em finais do século 19, no livro “Viagem ao Tapajós”. A partir deste trabalho, em 1919, o governo federal delimitou as divisas entre ambos os estados cruzando a Cachoeira de Sete Quedas, como sugerido por Coudreau e, depois, pelo Marechal Cândido Rondon. O traçado da fronteira foi concluído em 1952 pelo IBGE – mas o governo de Mato Grosso contesta. Os técnicos do IBGE, dizem, confundiram o Salto de Sete Quedas do decreto de 19 com uma quase homônima, a Cachoeira de Sete Quedas.
A causa está na Justiça Federal há anos. Se Mato Grosso vencer, a região do Araguaia, a Base Aérea do Cachimbo, um bom naco do sul paraense passa à sua responsabilidade. Por ali, há quem tenha título eleitoral de um estado e do outro. “Se tem coisa que a gente tem horror a ouvir é em APA” – diz um. E, perante a ameaça de ver suas terras transformadas em APA, os fazendeiros do Vale do Quinze preferem estar em Mato Grosso. Lá, o governador Blairo Maggi é produtor de grãos – uma espécie de herói local.
O argumento dos produtores é de que os ecologistas só pensam no macro, em grandes áreas de proteção, e não nas pessoas que vivem ali. “É a gente quem planta, que sustenta o Brasil, não são os engravatados.” Chamam as ONGs de máfia verde. Crêem que deviam, ao invés de ficar traçando APA que ninguém consegue fiscalizar, dedicar-se ao ensino do manejo sustentável da terra.
As famílias que migraram para Guarantã do Norte, Mato Grosso, ao longo da década de 1980 deixaram o próprio sangue na região – e sangraram a mata. Algumas prosperaram, outras não. Em uma das cooperativas, todo mundo tem o nome no Serasa. Há meninas bonitinhas que encaram os homens que passam, olhos nos olhos, e quem não conhece os códigos não entende de imediato que são prostitutas. Algumas com bem menos de 18 anos.
Mas se a impressão é de que nestes últimos anos perderam todos um quê de suas dignidades, isto não é verdade. Foi justamente o contrário. Quem está lá é porque sobreviveu, como diz um jornalista local, “com o próprio punho” – e é mais que um ato falho a troca de “mãos” da expressão pela palavra punho. Não há nenhum inocente – mas todos são vítimas das mudanças políticas, contradições, indecisão e mesmo ignorância do Governo Federal. Em todos, inclua-se na lista, também índios, também a Amazônia.
Epílogo
Para chegar a Guarantã do Norte é preciso pegar a BR toda vida, ou seguir de avião, um bimotor da empresa aérea local Cruiser. A passagem é cara, dá quase 900 reais o percurso de ida e volta, e a viagem longa, quase três horas, com escalas, uma para reabastecimento. De cima, indo ou voltando, a paisagem de todo Mato Grosso parece ser uma grande lavoura de soja. Às vezes, aqui e ali, os rios foram respeitados, há um braço verde para abraçá-los.
O aeroporto de Guarantã, onde táxis esperam os recém-chegados, fica ao lado dum pasto e, dele, de longe, mira-se uma linha verde de árvores. O avião atrasou quase uma hora na viagem de retorno – mas já estava aterrissando quando chegaram os índios, um senhor de bermuda e cocar e um casal de adolescentes. Todos com camadas de tártaro nos dentes que restavam. Quando Cláudio Villas Bôas os encontrou, há 33 anos, os panarás tinham dentes perfeitos, a mudança na dieta lhes foi desastrosa.
Perguntei ao senhor se poderia fotografá-lo, ele fez que não, mal-humorado. Então, o rapaz me procurou, falando português de estrangeiro que ainda não dominou a língua. “Você paga eu, fotografa ele.” O velho sorriu largo, esfregando polegar e indicador na minha direção. Sorri, agradeci, deixei passar a oportunidade.
(*) por Pedro Dória. AQUI
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